Salvini força eleições e pede “plenos poderes” aos italianos

Em pleno Agosto, a Liga decidiu queimar as pontes, romper com o Cinco Estrelas e lançar, a todo o custo, a corrida às urnas. Ninguém quer aprovar o Orçamento. A Itália está num beco sem saída

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Di Maio, Salvini e Conte: o triunvirato quebrou-se definitivamente Remo Casilli/REUTERS

A maioria governamental desfez-se e, desta vez, nada a fará ressuscitar. Matteo Salvini, líder da Liga e vice-primeiro-ministro italiano, anunciou uma moção de desconfiança contra o chefe do seu próprio Governo, Giuseppe Conte. Falando num comício em Pescara, o mesmo Salvini pediu aos italianos que lhe dêem “plenos poderes” para pôr em prática o programa da Liga. Não se trata de mais uma “crise parlamentar” mas da possibilidade de novo terramoto na política italiana, com imediatos reflexos sobre a Europa. É também a declaração de falência dos dois opostos populismos.

As “emoções” dos últimos dias desenrolaram-se em tom de farsa. Com o Parlamento em férias, Salvini exigiu eleições imediatas. Na quinta-feira, denunciou o acordo com o Movimento 5 Estrelas (M5S), de Luigi Di Maio. Pediu depois a demissão de Conte, para acelerar a dissolução das câmaras. Este recusou, o que levou à moção de desconfiança, a votar no Senado. Por que tem pressa? As sondagens dizem ser possível obter uma maioria absoluta, através da aliança com o Irmãos de Itália (extrema-direita).

O calendário da crise é ainda uma incógnita e depende do Presidente da República, Sergio Mattarella. O recurso às urnas não poderá lugar antes do fim de Outubro. Há um importante factor escondido por trás das sondagens. A actual legislatura deveria durar até 2023. A eleição do futuro PR terá lugar em Janeiro de 2022 e Salvini não quer que ele seja eleito pelo actual Parlamento mas pelo próximo, em que sonha ser hegemónico. Ao contrário, Matarella quer que o seu sucessor seja eleito por este e não por um Parlamento dominado pela Liga. Está em jogo a chave do equilíbrio de poderes do regime.

Agonia da coligação

As relações entre os dois partidos do Governo deterioram-se, com trocas de acusações insultos entre os seus dirigentes. O M5S está dilacerado e as bases acusam Di Maio de fazer sucessivas cedências a Salvini. As eleições europeias de Maio confirmaram a vertiginosa ascensão da Liga e a queda do M5S, que perdeu, desde as legislativas de 2018, metade dos eleitores.

Contra a precipitação das eleições, M5S exige a prévia votação de uma emenda constitucional para reduzir o número de parlamentares. A aprovação desta emenda, ainda que subscrita pela Liga, implicaria um alongamento dos prazos, na medida em que pode ser submetida a referendo e inviabilizar eleições antes da próxima Primavera.

A sorte do Governo tem muitas implicações, desde a impossibilidade de aprovar o Orçamento à mera indicação de um nome italiano para a Comissão Europeia. A falta do Orçamento poderá levar a uma subida do IVA, com efeitos negativos sobre a economia. Salvini parece não querer votar uma lei orçamental impopular e que lhe poderá fazer perder votos. A Itália está num beco sem saída e sob a ameaça de uma explosão dos juros da dívida, para lá do isolamento na Europa.

O PR iniciará em breve um período de consulta aos partidos e líderes parlamentares. Não há uma maioria alternativa. Um acordo entre M5S e o Partido Democrático (PD) poderia, por exemplo, garantir apoio maioritário a um governo “Conte-bis”. Mas é, nas actuais circunstâncias, politicamente inviável. Também não se vêem condições para um “governo técnico”, como o de Mario Monti em 2011. O cenário de que mais se fala seria a nomeação de um “governo de garantia” para presidir ao acto eleitoral. Não necessitaria de investidura parlamentar. Mas, na Itália, nunca se deve descartar cenários.

Itália “salvinizada”

O Cinco Estrelas está dilacerado. Di Maio será o “bode expiatório” do seu fracasso. Revelou uma extrema incapacidade de governar. Também o PD está dividido e não dispõe de um líder mobilizador para convencer o eleitorado.

Como ascendeu Salvini a uma posição quase hegemónica? Começou por se tornar rapidamente no líder de facto do Governo, graças à crise dos imigrantes. Com metade dos votos do M5S em 2018, passou a ditar a agenda política. Grande parte dos seus eleitores não se identifica ideologicamente com a Liga. Por que votam nele? Explica o politólogo Renato Mannheimer, director de um instituto de sondagens: “Nas entrevistas para as nossas sondagens, as pessoas dizem-no claramente. Salvini fala como eu, veste como eu, faz bem em ser duro com os imigrantes. O seu modo de agir incomoda muitos mas, evidentemente, funciona e em grande.”

“Só uma catástrofe pode travar a ascensão de Matteo Salvini”, profetizava há um ano o politólogo Giorgio Orsina. É o cerne da questão: uma Itália de Salvini.

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