Restaurante português quer renunciar à estrela mas Michelin diz que “não é possível”

Depois de o chef Henrique Leis ter anunciado que abdicava da estrela, responsável da Michelin diz que só o Guia pode atribuir ou retirar esta distinção.

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Henrique Leis e as filhas, Pietá e Rafaela DR

Um chef não pode devolver uma estrela Michelin. Ángel Pardo Castro, responsável de comunicação do Guia para Espanha e Portugal é muito claro quanto a isso: “Não fazemos o Guia Michelin para os chefs nem para os críticos. Fazemo-lo para os leitores.”

Henrique Leis, o chef do restaurante com o seu nome, em Loulé, no Algarve, que anunciou a intenção de “devolver” a estrela Michelin que tem desde 2000, reage a estas declarações afirmando que não quer entrar em polémicas e que vai aguardar para perceber qual será a posição dos responsáveis do guia.

Mas Ángel Pardo Castro explicou à Fugas que “a decisão já está tomada porque o guia [a próxima edição sairá em Novembro], com a decisão dos inspectores, já está quase 100% fechado”. O que quer frisar é que essa decisão – que não pode revelar antecipadamente – prende-se exclusivamente com a avaliação que foi feita, na sequência de várias visitas, pelos inspectores e não é de forma alguma influenciada pela carta enviada a 12 de Junho por Henrique Leis para o Guia – e que, confessa o responsável pela comunicação, foi recebida “com surpresa”.

“É meu desejo sair”, reitera o chef brasileiro a viver em Portugal há 24 anos. E se o restaurante surgir na próxima edição novamente com uma estrela, o que pensa fazer? “Aí já é responsabilidade deles, eu vou fazer o meu trabalho, como disse. O resto é com eles, ainda não pensei muito sobre isso.”

Restaurante Henrique Leis

A crítica ao restaurante por David Lopes Ramos, em 2008. "Henrique Leis, dono e chefe de cozinha do restaurante com o mesmo nome em Almancil, é dos que levam muito a sério a sua profissão. Com uma pequena equipa a apoiá-lo, chefia uma das cozinhas simultaneamente mais criativas e sólidas"

Ángel Pardo Castro sublinha que Henrique Leis respondeu ao questionário enviado pelo guia para actualizar informações relativas ao restaurante, dos horários aos preços, passando pelo menu. E o chef confirma que quer que o restaurante continue a figurar na listagem do guia – apenas pretende abdicar da estrela, pela pressão que, segundo diz, ela coloca sobre o seu trabalho. “Não quero mais estar obrigado a obedecer aos padrões do guia. Ficarei com mais liberdade para experimentar coisas novas, mantendo as mesmas bases, claro, mas sem a pressão”, explicou à Fugas depois de tornado pública a sua iniciativa.

A decisão de atribuir estrelas e diferentes categorias aos restaurantes cabe única e exclusivamente aos inspectores e “um restaurante não pode dizer ‘não quero estar nesta categoria, quero outra’”, reforça Ángel Pardo Castro. “Pode ser muito romântica essa ideia de renunciar, mas não é possível.” Até porque as estrelas são atribuídas aos restaurantes e não aos chefs.

As estrelas “renovam-se a cada ano” e “não é muito justo dizer ‘quando me interessa aceito e quando não me interessa, renuncio’”, diz. Um dos casos recentes, e muito mediático, foi o do chef francês Marc Veyrat, do restaurante Maison des Bois, na Alta Saboia, que perdeu uma das suas três estrelas na última edição do guia. Veyrat, conhecido pelo seu chapéu preto, escreveu uma carta dramática à Michelin, dizendo que a decisão o tinha feito mergulhar numa depressão e acusando os inspectores de incompetência e “amadorismo”. “Estou deprimido há vários meses. Como é que se atrevem a fazer refém a saúde dos vossos chefs?”. Numa entrevista, reforçou as acusações, dizendo que “os inspectores não sabem absolutamente nada sobre cozinha” e aconselhando-os a “pôr um avental e irem para as cozinhas”, prevendo que, se o fizessem, não saberiam “preparar um prato decente”.

Apesar de toda a indignação do chef, o Maison des Bois manteve-se no guia, tal como tinha acontecido em 2018 quando outro chef francês, Sebastian Bras, pediu que o seu restaurante, Le Suquet, fosse retirado devido à “grande pressão” que as estrelas representavam. A decisão de Bras foi anunciada publicamente e a imprensa deu a renúncia como um facto consumado, mas quando a edição seguinte foi apresentada, o Le Suquet continuava a figurar, independentemente da vontade expressa pelo chef.

O que pode acontecer, explica ainda Ángel Prado Castro, é um chef querer dar um outro enfoque ao trabalho que tem vindo a fazer e, para isso, decidir encerrar o restaurante e, eventualmente, a abrir outro com um conceito diferente. “São coisas que acontecem”, diz. Muitas vezes, quando um restaurante muda de chef ou de filosofia, a estrela é-lhe retirada no ano das mudanças para ser reavaliada, podendo ser novamente atribuída se a avaliação dos inspectores for positiva.

Foi o que aconteceu, por exemplo, em Portugal com o restaurante algarvio São Gabriel, que perdeu a estrela que tinha desde 1995, com a mudança de proprietário e a entrada do chef Leonel Pereira, em 2013. Voltou depois a conquistá-la logo no ano seguinte após o trabalho deste ter sido avaliado de forma positiva.

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