Boris não quer saber do Brexit, mas da sua pele

A defesa cega do Brexit, e depois do Brexit mesmo sem acordo, foi apenas uma posição instrumental para a sua ascensão política. Boris seguirá em cada momento o que lhe for mais útil para se manter no poder.

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Os críticos de Boris Johnson comparam-no habitualmente a Donald Trump e não é pela similitude capilar. Johnson fez toda a sua carreira política à sombra de arroubos trumpistas – muitas aldrabices, alguma linguagem ordinária, doses poderosas de narcisismo - que o transformaram, no contexto da política britânica, num bulldozer eficaz para os seus próprios interesses. Tudo isto, e a sua particular sedução pessoal, contou para que se tornasse agora no líder do Partido Conservador. O homem que se delicia com a ideia de ser uma espécie de émulo de Churchill (também ele, à época, considerado pouco fiável pelos seus pares) vai ser primeiro-ministro do Reino Unido.

Conhecendo as biografias de Boris e Churchill – mesmo antes do eclodir da Segunda Guerra – dificilmente a ideia da comparação resiste, ainda que os tempos históricos sejam totalmente distintos. O pior que já está a acontecer a Boris é a comparação transatlântica. Aquilo que serve no Reino Unido para menorizar Johnson – a ideia de que é o Trump das ilhas – é reivindicado como medalha pelo próprio Trump. Ontem, num encontro de estudantes, Trump elogiou Johnson, “duro e esperto” e congratulou-se pelo futuro primeiro-ministro britânico ser conhecido como “o Trump do Reino Unido”: “Eles gostam de mim lá”.

Mesmo a carregar este peso, é verdade que na campanha para a sucessão de Theresa May o candidato evitou ao máximo expor o seu pior. Algumas pessoas do seu círculo político afirmavam ontem que o que vinha aí era um “serious Boris”. O discurso de vitória foi um mix. A frase com que apelou à reconciliação de um país e de uma Europa profundamente dividida é inteligente – “Nenhuma pessoa, nenhum partido, tem o monopólio da sabedoria”.

Foi, de resto, o mote para que, na mensagem de saudação, o antigo primeiro-ministro dinamarquês Rassmussen dissesse a Boris para não se esquecer das suas próprias palavras e ouvisse a maioria dos que, tanto no Reino Unido como na União Europeia, querem um “Brexit” negociado e equilibrado.

Na verdade, mais depressa Boris deixa de cumprir a promessa de sair sem acordo a 31 de Outubro do que arrisca uma morte política a curto prazo. Basta-lhe simplesmente reler o texto que escreveu contra o “Brexit” – num tempo em que, justificou depois, estava a ponderar qual a posição a tomar. A defesa cega do “Brexit”, e depois do “Brexit” mesmo sem acordo, foi apenas uma posição instrumental para a sua ascensão política.

Boris seguirá em cada momento o que lhe for mais útil para se manter no poder. Se for preciso mais tempo – vai uma aposta? – o Reino Unido não sai da União Europeia a 31 de Outubro. Ele arranjará maneira de se justificar depois.

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