Casa do Douro: capricho ou ignorância

A Região Demarcada do Douro não precisa de voltar ao passado. Precisa, isso sim, de se adequar aos novos tempos, aproveitando os bons ventos do turismo e da forte evolução dos vinhos DOC Douro.

A Assembleia da República, após uma primeira devolução à origem por parte do Sr. Presidente da República, aprovou uma “nova” versão do diploma sobre a alteração do estatuto da Casa do Douro.

Esta nova versão, insistindo na inscrição obrigatória e no carácter público, em pouco ou nada altera o diploma anterior, reiterando uma necessidade de volta a um passado apenas compreensível pela nostalgia de um tempo de má memória e que impõe soluções de outrora completamente desajustadas aos problemas actuais.

De entre os que defendem a alteração ouvem-se completas aberrações, desde a volta à intervenção no mercado, hoje impossível, à determinação unilateral do “benefício” que até pensam tratar-se de algum subsídio, etc., tudo valendo para fundamentar uma completa reversão que, mais do que ideológica é, de facto, caprichosa, quando não uma quase atitude de “Velho do Restelo”… invocando fantasmas do passado e atribuições públicas desconhecidas, para não dizer inexistentes ou impossíveis.

Há bandeiras do passado que nos dias de hoje não fazem sentido, quer porque o negócio mudou, quer porque o perfil dos viticultores mudou. Falar em guerra entre produção e comércio quase que como se de uma luta de classe se tratasse não tem correspondência com a realidade, quando se verifica que grande parte dos vitivinicultores só vende a granel o cartão de beneficio e as respectivas uvas e destina o restante da produção para as suas marcas DOC, quando nas uvas de qualidade a procura ultrapassa a oferta. Por outro lado, a larga maioria dos viticultores não tem na vinha a sua principal ocupação ou a sua principal fonte de receita e, ainda, muitos existem que tratam os seus “bocadinhos” mais por obrigação e nostalgia, pois lucro na atividade não têm.

Este concentrar de atenções no problema estatutário da Casa do Douro esconde, isso sim, uma desatenção relativamente aos instrumentos de apoio aos viticultores, que escasseiam a cada dia que passa, fazendo esquecer toda uma falta de suporte e ajuda à sucessão de um sem número de pequenos viticultores idosos e, por fim, esquecendo a necessidade urgente de analisar e resolver, sem demagogias, o problema fundiário da Região Demarcada do Douro.

Misturar preços de venda de vinho na prateleira com preços de uvas aos produtores é outra das falácias que nos acostumamos a ouvir pregar por alguns que acham que o simples aumento do produto final tem resultados rápidos e imediatos no preço de compra de uvas. Porém, em primeiro lugar, com os atuais níveis de concorrência, aumentar preços finais não é tarefa simples nem fácil e, em segundo lugar, quando os vinhos adquirem preço por estágio ou por ascenderem a categorias especiais, dificilmente essa mais-valia tem reflexo no preço das uvas ao produtor.

Como em todos os mercados, é preciso fazer rarear a oferta e, só assim, conseguir melhores preços, o que tanto vale quando falamos de uvas como de vinho como de benefício: o que existe em excesso desvaloriza!

Por outro lado, quando se motiva a demanda através de acções de promoção é possível que a procura cresça. Para mal da nossa Região Demarcada do Douro, nesse capital destinado à promoção, fruto das taxas cobradas, entram as cativações do Ministério das Finanças, enviando para Lisboa, para não mais retornar, o que devia ser investido em favor da Região. E, quanto a essa injustiça, nenhum dos promotores do novo diploma se insurge, refém que se encontra das articulações partidárias alheias aos viticultores e à Região.

Por fim, uma nota para as desaparecidas e agora ressuscitadas figuras apoiantes do novo diploma, aderentes da velha e falida Casa do Douro e que propalam uma representação que nunca tiveram e que sequer se penitenciam pelo que fizeram… em claro prejuízo dos viticultores e da Região.

A Região Demarcada do Douro não precisa de voltar ao passado, precisa, isso sim, de se adequar aos novos tempos, aproveitando os bons ventos do turismo e da forte evolução dos vinhos DOC Douro e, destes fatores, alavancar a melhoria de vida de todos os viticultores, sejam estes pequenos, médios ou grandes.

Mas para que tudo isto seja uma realidade é necessário que as ajudas e subsídios não sejam cortados e que tudo o que for arrecadado na Região nela seja investido.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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