O poder de Ursula von der Leyen

A Europa precisa de estadistas que saibam defender os seus valores e definir a estratégia europeia. Eis que chegou alguém que parece não recear ter voz nos temas mais difíceis.

É preciso analisar Ursula von der Leyen para lá do seu discurso no Parlamento Europeu. Um discurso no qual procurou agradar a socialistas, liberais e verdes por necessidade, mas em que o fez com habilidade também. O resultado da votação que lhe deu a vitória confirma-o.

O tema mais difícil que abordou foi mesmo o da imigração, sem que deixasse de ser coerente com tempos de plena crise dos refugiados em que a própria se bateu publicamente contra aqueles que os comparavam a eventuais terroristas em terra europeia. A estratégia de Macron, com o apoio do bloco dos quatro países de Visegrado, foi determinante para a sua nomeação e esta vitória da alemã pode ser positiva para o futuro do projeto europeu.

Vejamos: Von der Leyen afirma-se como uma atlantista numa altura em que falta compreender a estratégia da Europa em relação aos EUA. Sobretudo sem o soundbyte ensurdecedor diário de Donald Trump, que não pode afastar a UE do essencial. Um estrilho que pouco interessa a longo prazo (Trump é passageiro) e que reduz demasiadas vezes a importância de fatores relevantes na análise nacional. Exemplo disso é a economia americana, que cresce há largos meses num ciclo de crescimento que não tem paralelo desde finais do século XIX, contrastando com a chinesa, por exemplo, que vive a maior desaceleração dos últimos 30 anos. Para lá da espuma dos dias, eis um dos efeitos do conflito comercial encetado por republicanos e democratas(!) americanos à China e que tem passado ao lado de tantos. 

Num fórum económico global em 2017, Von der Leyen manifestou publicamente a sua preocupação quanto ao impacto da China na Europa. Uma ameaça que equiparou à da Rússia. Criticou abertamente a forma como o regime chinês trata os seus cidadãos, nomeadamente através de um sistema de crédito social sinistro, com a ressalva que mais cedo ou mais tarde o povo se revoltaria contra ele. “O desejo de autodeterminação vem sempre ao de cima e a procura pela liberdade é aquilo que mais define o homem”, rematou. É difícil conseguir discordar dela.

Contrariamente ao tempo de Durão Barroso, em que se procurava um presidente da Comissão apolítico e ainda se vivia na ilusão das vantagens do alargamento, ou de Jean-Claude Juncker, profundamente europeísta mas contraditório, os tempos da Europa são novos e mais politizados. Demasiadas vezes assiste-se à elevação de políticos mais ou menos tecnocratas sem que se entenda muitas vezes aquilo que verdadeiramente sustentam.

Percebe-se assim hoje a necessidade de estadistas que saibam defender os valores e definir a estratégia europeia. Eis, pois, alguém que parece não recear ter voz nos temas mais difíceis. Em consonância com a vontade e coragem de Macron, é também isso que mais falta tem feito.

Para lá da eleição como presidente da Comissão, tudo dependerá do peso político que a alemã venha a ter na União Europeia. Se for para lá do cargo, será muito bom. Infelizmente, o facto de ter surgido como candidata por nomeação do Conselho e não pelo sistema dos Sptizenkandidaten pode minar esse mesmo poder maior e a sua própria presidência.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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