É amor ou interesse?

Se a magnanimidade trouxer mais vantagens eleitorais, o PS será magnânimo.

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Pronto, acabou. A legislatura está praticamente no fim. O Parlamento fecha em breve para férias e quando voltar a reunir-se, em Setembro, já estaremos em campanha eleitoral. Não deixou de ser curioso que, no último debate do estado da nação, o Governo se tenha multiplicado em declarações de amor aos parceiros de esquerda. Ultimamente, não costumava acontecer – aliás, antes pelo contrário. Mas no último e simbólico grande debate parlamentar antes da campanha eleitoral, foi imensa a prodigalidade de elogios à solução em que ninguém acreditava e acabou por chegar ao fim da legislatura.

De António Costa a Mário Centeno, o tom amoroso atravessou o Governo. Costa saudou os parceiros que “ousaram derrubar um muro anacrónico e assumido a responsabilidade” de viabilizar o executivo PS, conseguindo “estabilidade política, previsibilidade das políticas e respeito pela Constituição”. Mário Centeno também saudou a solução “que foi única e enriqueceu a democracia”, lembrando que nunca antes houve uma legislatura “tão parlamentarista” como esta.

A que se devem as declarações de amor de um partido que desde o último congresso, em que omitiu durante 48 horas a existência dos parceiros, parecia mais apostado em criar espaço para uma maioria absoluta? Há duas explicações: a maioria absoluta é muito difícil de conseguir e Costa quer preparar-se para todos os cenários, incluindo o de repetir esta solução. Faz sentido.

Uma segunda hipótese é António Costa, que não é parvo, ter finalmente percebido que é eleitoralmente prejudicial para o PS um certo tom de arrogância e auto-suficiência face aos partidos que lhes deram o passaporte para governar. Ou seja, paradoxalmente, é mais fácil ter a maioria absoluta a elogiar a “geringonça” – uma solução governativa que é genericamente apoiada pelo eleitorado tradicional do PS – do que a humilhá-la, como recentemente fez Carlos César.

Humilhar a “geringonça” acaba por vitimizar os partidos que a compõem, mostrando que o PS se comporta como uma entidade mal-agradecida a quem lhe permitiu formar governo. No mesmo sentido, a arrogância pode criar na opinião pública o desejo de evitar a todo o custo contribuir para a maioria absoluta. Se a magnanimidade trouxer mais vantagens eleitorais, o PS será magnânimo.

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