O dinheiro move realmente o mundo?

A sexta edição da revista Electra, da Fundação EDP, tem como tema principal o dinheiro e reflecte sobre a forma como a sua valorização afecta a actual dinâmica social, política e cultural. Também nesta edição Edmund de Waal - autor do livro “Lebre de Olhos de Âmbar: Uma herança escondida” - assina um diário poético e Siza Vieira revela um caderno de viagens que desenhou em 1995, no Perú.

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D.R.

Seja pela actualidade noticiosa, pelas contas rotineiras do mês ou através da aquisição de bens, o dinheiro é um aspecto inescapável – e essencial – no dia-a-dia. O quotidiano rege-se, sobremaneira, por esta “moeda de troca”, que influencia a própria organização social, do ponto de vista de notoriedade e poder económico de quem a tem em maior ou menor quantidade. Ao contrário do que se possa pensar, falar sobre dinheiro vai além do seu uso prático, e são várias as abordagens encontradas na Electra n.º6, da Fundação EDP, já nas bancas e livrarias e com um custo de 9 euros.

Recordando uma crónica do escritor Gonçalo M. Tavares, que assina o Dicionário das Ideias Feitas desta edição, com a palavra “Desafio”, José Manuel dos Santos e António Soares evocam no editorial Robert Walser e, em particular, o seu livro Jakob von Gunten. Nessa obra, há um momento marcante no qual o irmão mais velho aconselha o mais novo a “arranjar muito dinheiro, o mais depressa possível. Tudo está estragado, mas o dinheiro ainda não”. A obra de Walser ajuda a sustentar a ideia de que “os seres humanos são filhos do dinheiro que têm”. Quererá isso dizer que o novo papel do dinheiro é o principal motor das transformações actuais?

O dinheiro como balizador social e como valor

António Guerreiro vai directo ao assunto no artigo “A bolsa e/ou a vida”: fala-se de dinheiro “como outrora se falava de Deus”, pelo que a sua natureza “está longe de ser uma questão para economistas”. “Ele cruzou-se, enquanto eterna e poderosa questão, com outros campos: a teologia, a antropologia, a psicanálise, a sociologia, etc. Não há lugar onde ele não reine ou, pelo menos, não se intrometa”, aponta o editor da Electra.

Por seu lado, em “A moeda, a dívida e a guerra”, Maurizio Lazzarato alarga a discussão ao contexto histórico, abordando o papel do dinheiro em diversas épocas e como se afirmou como mais do que uma moeda comercial.

Também Anselm Jappe, em “Pode o dinheiro levar à loucura?”, recorda Marx e a sua “crítica da economia política”, assinalando que em meados do século XIX este já argumentava que “o dinheiro não constitui um factor técnico, mas um factor social”. Não se pode, portanto, entender o poder monetário tão somente como um meio para trocas. Na sua metáfora, Jappe coloca ainda o dinheiro como um motor de loucura, tal a sua preponderância na ordem das coisas.

O professor Yves Citton mantém o foco na importância do dinheiro e explora o tema em sete histórias sobre a sua valorização “auto-esvaziante”, evidenciando o ciclo vicioso que este acarreta: “O que é o dinheiro? Uma medida de valor. O que é que tem valor? O que gera dinheiro”. Já os portugueses José Gabriel Pereira Bastos e Margarida Abreu escrevem, respectivamente, sobre “O inconsciente cultural do dinheiro como símbolo do poder e da imortalização fálica” e “Do conceito de moeda aos desafios dos novos meios de pagamento”.

Ainda sobre o tema principal da Electra, António Guerreiro entrevista Nathalie Quintane, co-autora do livro L’art et l’argent. Quintane e o recém-falecido Jean-Pierre Cometti recorrem na obra a uma colectânea alargada de autores, como filósofos e especialistas de História da Arte, para debater a proximidade entre o dinheiro e a arte.

Edmund de Waal e Siza Vieira: construtores de memórias

Edmund Waal, artista contemporâneo e escritor – autor do livro “A Lebre de Olhos de Âmbar: Uma herança escondida” - assina o Portfolio desta edição da revista Electra. Intitulado “Psalm”, trata-se de um grande projecto concebido por ocasião da Bienal de Arte de Veneza de 2019 e que tem aqui a sua primeira publicação. Neste portfolio, as fotografias da exposição inscrevem-se num diário poético, um texto atravessado pelos temas deste artista: a memória, os livros, os objectos, os sentidos e os lugares.

Também Álvaro Siza Vieira presenteia esta edição com um caderno de desenhos, aqui pela primeira vez publicado. São “Paisagens de papel” inscritas pelo arquiteto num caderno de trabalho – o caderno nº 399 - durante uma viagem ao Perú, em 1995, três anos depois de ter recebido o Prémio Pritzker. A maioria dos desenhos é de Machu Picchu.

O multifacetado crítico de Arquitectura Ulf Meyer assina “A Bauhaus revisitada”, enquanto Kathleen Burk destaca “A.J.P. Taylor: historiador e estrela mediática” na secção Figura. O cientista português António Coutinho, entrevistado por Vasco M. Barreto, investigador na Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa, fala sobre questões teóricas da filosofia da ciência e do processo científico e sobre as questões pragmáticas de uma política para a ciência, em Portugal, e das suas instituições, entre outros temas.

Marcam ainda presença na revista da Fundação EDP: Gilda Oswaldo Cruz, Bruno Peixe Dias, Donatella Di Cesare, José Maria Vieira Mendes, João Pinharanda e João Oliveira Duarte, entre outros autores. No total, são mais de 200 páginas sobre economia, filosofia, cultura, política, arte e sociedade na sua Electra.