PGR quer mais meios humanos e menos mudanças legislativas para combater violência doméstica

O reforço de meios humanos é considerado um factor determinante na resposta eficaz aos crimes de violência doméstica. Lucília Gago afirma que o actual quadro legislativo é adequado.

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A procuradora-geral da República afirma que leis não substituem meios humanos Nuno Ferreira Santos

A procuradora-geral da República considerou esta quinta-feira que o reforço dos mecanismos de interacção de prevenção e combate à violência doméstica exige, sobretudo, a adequação e reforço de meios humanos, e não tanto alterações à lei.

Este alerta de Lucília Gago surgiu durante a sua audição na Comissão Parlamentar de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre as alterações legislativas na área dos crimes de perseguição e violência doméstica (requerimentos do PSD) e sobre a adequação do regime de protecção de crianças e jovens em vigor ou a eventual necessidade do seu aprimoramento legislativo (requerimento do PS).

Segundo a PGR, “só com uma adequação dos meios humanos — magistrados do Ministério Público, técnicos forenses, órgãos de polícia criminal, funcionários judiciais e toda uma panóplia de profissionais — é que se conseguirá a almejada melhoria”.

Por outro lado — acrescentou — é também preciso haver “espaços para atendimento e inquirição das vítimas”, por forma a “dar uma resposta adequada” ao fenómeno criminal em causa.

Lucília Gago admitiu ainda ser necessário propiciar uma “melhor interlocução da família e da criança com a investigação criminal”, observando que se deve “inscrever a criança como a verdadeira vítima” nos casos em que assiste e está exposta à violência entre progenitores.

Também a conjugação de esforços e de compromissos de várias entidades e organizações foi considerado importante para enfrentar o problema da violência doméstica e suas consequências na criança, apontando a danosidade e as sequelas que uma vivência desse tipo deixa no crescimento e formação da mesma, levando por vezes a replicar, em idade adulta, o modelo comportamental do agressor.

Lucília Gago considerou que o actual quadro legislativo é adequado e tem potencialidades que podem ser exploradas, observando que, presentemente, num cenário em que a criança assiste a um comportamento de agressão física de um progenitor ao outro, a norma já prevê que o agressor está a cometer dois ilícitos penais (agravados) por uma única acção.

Assim, relativamente ao cônjuge agredido, a primeira agravação resulta do facto de a agressão ser praticada na presença do menor. Por outro lado, no mesmo acto, ao ocorrer uma violência de cariz psicológico de que a vítima é menor, devido à vulnerabilidade da vítima por causa da idade, o ilícito é também aqui agravado.

“Este preceito (normativo) permite acomodar os dois ilícitos” num único acto de agressão de um dos progenitores, explicou.

Lucília Gago falou várias vezes na necessidade de “dotação de meios humanos”, questão que, disse, “não deve ser descurada”, pois só assim, insistiu, será possível configurar uma interlocução e dar uma resposta de “qualidade”.

Conforme chegou a sintetizar a deputada Isabel Moreira acerca das palavras da PGR, o “principal não está na lei, está nos meios, na formação cívica e na mudança de mentalidades”.

Apesar de considerar adequado o actual quadro normativo, Lucília Gago disse, em resposta à deputada Vânia Dias da Silva (CDS-PP), ser favorável a uma alteração legislativa quanto à “declaração para memória futura” das vítimas de violência doméstica por forma a evitar que haja um “lapso” de tempo entre a notícia do crime e o depoimento.

Propôs, assim, que exista a “obrigatoriedade” de nos respectivos inquéritos/investigações, a requerimento do Ministério Público ou da vítima, a diligência de a ouvir para memória futura seja feita em “momento imediato” de maneira a garantir a “genuinidade e credibilidade” do depoimento da vítima e evitar a “contaminação por terceiros” do relato dos factos.

Também aqui, sublinhou, são necessários meios – juiz, funcionários judiciais, e uma “reorganização do judiciário” que permita fazer esta diligência com a “prontidão que ela reclama”.

Quanto à questão legislativa de se saber se a vítima tem o direito de se recusar a depor, a PGR defendeu que, no caso de se remeter ao silêncio, a vítima devia ser acompanhada por pessoal qualificado para se “entender os motivos da recusa” e de não haver um depoimento “livre e esclarecido”, mas vincou que não lhe parece adequado “suprimir a faculdade de recusa por parte da vítima”.

A audição parlamentar terminou com o seguinte apelo da PGR: “Não há manual de boas práticas que nos valha, se não houver meios humanos”.

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