Multilateralismo pode ficar à porta na cimeira do G20

Líderes mundiais reúnem-se no Japão, mais interessados em debater disputas bilaterais que em aprofundar cooperação. Guerra comercial EUA-China e tensão no Golfo Pérsico ensombram encontro.

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Donald Trump, à chegada a Osaca, no Japão Reuters/ISSEI KATO

Os líderes das vinte maiores economias do mundo reúnem-se na sexta-feira e no sábado, em Osaca, no Japão, para uma cimeira do G20 ofuscada por um número considerável de disputas e encontros bilaterais, que prometem roubar-lhe o protagonismo. Com o conflito retórico entre Estados Unidos e Irão e a guerra comercial Washington-Pequim a ameaçarem a estabilidade da economia mundial, antevê-se uma cimeira tensa, que dificilmente trará grandes decisões sobre dois dos principais pontos da agenda: a resistência ao proteccionismo e a luta contra as alterações climáticas.

Protagonistas não faltam, é claro, mas o Presidente dos Estados Unidos vai seguramente juntar à sua volta uma enorme dose da atenção mediática, até porque os norte-americanos – e particularmente a sua Administração – estão envolvidos em grande parte das disputas económicas e geopolíticas em causa. 

Na longa lista de reuniões bilaterais de Donald Trump constam os nomes de Xi Jinping, Vladimir Putin, Mohammed bin Salman, Recep Tayyip Erdogan e Jair Bolsonaro, entre outros.

O encontro entre os chefes de Estado norte-americano e chinês, agendado para sábado, é aquele que está a gerar mais expectativas. A guerra comercial entre os dois gigantes ameaça o equilíbrio financeiro e o fluxo de mercadorias entre todos os outros países, que estarão a fazer figas para que Trump e Xi cheguem a um acordo para lhe por fim ou, provavelmente um cenário mais realista, para replicarem a trégua alcançada na última cimeira do G20, em Buenos Aires (Argentina), no final do ano passado.

Com a subida das taxas alfandegárias sobre produtos chineses importados, no valor de 200 mil milhões de dólares (cerca de 176 mil milhões de euros), a ameaça de mais aumentos, no valor de 300 mil milhões de dólares, e a colocação de empresas tecnológicas chinesas – com a Huawei à cabeça – numa lista negra comercial, Trump não tem dado sinais de desarmar na sua estratégia contra o que entende ser um “aproveitamento desleal” chinês da economia norte-americana.

Em entrevista à Fox News, na quarta-feira, o Presidente dos EUA garantiu que é Pequim quem tem mais interesse em fechar um compromisso, devido ao estado de desaceleração económica que enfrenta: “A economia da China está a ir pelo cano abaixo, eles querem chegar a um acordo”.

Apesar da retórica firme, escreve esta quinta-feira o South China Morning Post, Trump estará disponível para negociar nova trégua com Xi, pelo que existe uma forte possibilidade de os EUA anunciarem, durante a cimeira, um adiamento de seis meses da aplicação das novas taxas aos produtos chineses.

Irão preocupa

Paralelo ao conflito comercial entre chineses e norte-americanos, o aumento vertiginoso da tensão entre Washington e Teerão vai estar também em cima da mesa, nas várias reuniões entre chefes de Estado e de Governo dos países que compõem o G20. 

O futuro incerto do acordo nuclear do Irão, os ataques a petroleiros no Golfo Pérsico, o abatimento de um drone norte-americano pelo Irão, a suspensão à última hora de um ataque dos EUA contra o Irão e imposição de sanções norte-americanas ao líder supremo ayatollah Ali Khamenei, contribuíram para a subida em flecha do preço do barril do petróleo, e todas as partes envolvidas quererão fazer valer a sua posição e chamar mais adeptos à sua causa.

O encontro entre Trump e Mohammed bin Salman, príncipe herdeiro do trono da Arábia Saudita – rival histórico do Irão e aliado próximo dos EUA e da Casa Branca de Trump – deverá servir para se alinharem estratégias, ao passo que a reunião entre o Presidente norte-americano e Vladimir Putin, chefe de Estado da Rússia – aliada do Irão na região – poder ter como pano de fundo a defesa firme de ambas as posições sobre a escalada retórica.

O frente-a-frente entre Trump e Putin está a ser gerido com pinças pela Administração norte-americana, mas por motivos que vão para além do Irão. Com o Presidente dos EUA embalado na pré-campanha para ser reeleito em 2020, os seus assessores querem evitar a todo o custo que o testemunho de Robert Mueller – o procurador-especial que investigou a interferência russa nas presidenciais de 2016 e as suspeitas de conspiração com membros da equipa de Trump – agendado para o próximo mês, na Câmara dos Representantes, desvie as atenções dos temas que os dois líderes irão debater.

Luta contra o plástico

Ao anfitrião Shinzo Abe, primeiro-ministro japonês, cabe a difícil missão de agilizar e de diminuir, o máximo que conseguir, todo o barulho em redor da cimeira. Igualmente complicada será a tarefa de fazer constar na resolução conjunta do G20 o reforço do compromisso dos seus membros em volta do comércio livre e contra o proteccionismo económico – aquém do esperado, para muitos países, na última cimeira, por pressão dos EUA.

E há ainda a vontade japonesa de, em conjunto com Emmanuel Macron, Angela Merkel, Theresa May, Justin Trudeau ou Moon Jae-in, dar sinais exteriores de união na batalha contra as alterações climáticas e à poluição marítima. 

A reafirmação da importância do Acordo de Paris, de 2015, continua a ser encarada por Trump com desdém e dificilmente será colocada por escrito, mas há um pouco mais de optimismo em relação ao acolhimento da proposta de Abe para a redução de resíduos plásticos nos oceanos. Certo é que a vontade do Presidente dos EUA poderá ser, uma vez mais, decisiva, numa cimeira que testa o estado de uma agenda multilateralista em franca retracção nos últimos anos.

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