A última “guerra dos petroleiros” foi uma tragédia

Na década de 1980, o conflito entre o Irão e o Iraque estendeu-se para o Golfo Pérsico e fez disparar os preços do petróleo. Hoje, um conflito entre Teerão e Washington teria consequências ainda mais dramáticas.

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Instalações petrolíferas no Irão, nas margens do Estreito de Ormuz Raheb Homavandi/REUTERS

Um conflito entre o Irão e os Estados Unidos pode afectar o comércio mundial que se faz através do Estreito de Ormuz. Por ali passa todos os dias cerca de um terço das exportações globais de petróleo. Se o estreito for bloqueado, e o comércio que por ali se faz for travado por causa de um conflito, os preços do petróleo vão subir.

Isto não é um mero cenário hipotético.

Já houve uma “guerra de petroleiros” na região: o Golfo Pérsico também foi um teatro da sangrenta guerra Irão-Iraque, de 1980 a 1988. Centenas de navios, de um ou outro lado, ou associados a um dos beligerantes, tornaram-se alvos no conflito – e o mesmo aconteceu a outros que nada tinham a ver.

No início, o conflito no mar parecia marginal, se comparado com o derramamento de sangue que acontecia em terra. Em 1981, o Iraque ameaçava atacar todos os navios que se dirigissem ou partissem dos portos iranianos, mas só no ano seguinte um petroleiro turco foi o primeiro grande navio bombardeado pelas forças de Saddam Hussein. O Irão não tinha então capacidade técnica para atacar e afundar navios de grande envergadura, pelo que demorou a retaliar.

Os EUA envolveram-se no conflito em 1987, quando começaram a escoltar navios do Kuwait, país que manteve a neutralidade na guerra. A intervenção norte-americana acabou por ajudar a pôr fim aos combates, depois de 37 marinheiros dos EUA terem sido mortos por um caça iraquiano que atingiu o navio USS Stark nesse ano.

O conflito teve um preço elevado em vidas: como o Irão não conseguia igualar as capacidades do Iraque no mar, começou a atacar as tripulações dos navios comerciais. Morreram centenas de civis, tanto em ataques iranianos como iraquianos.

Mas as repercussões desta “guerra de petroleiros” foram mais do que perda de vidas. No início da década de 1980, “houve uma queda de 25% na navegação comercial e uma subida acentuada no preço do crude”, escreveram investigadores da Universidade de Texas, em Austin. Os preços também subiram porque a própria produção de petróleo foi reduzida, por causa da revolução islâmica no Irão.

Um dos paradoxos desta guerra foi que quanto mais navios eram atacados, mais suavemente reagia a economia mundial. Após um primeiro choque, no início da década de 1980, o comércio internacional retomou o seu ritmo. “Mesmo quando estava nos momentos mais intensos, a guerra dos petroleiros não atingiu mais do que 2% dos navios que cruzavam o Golfo Pérsico”, escreveram os investigadores da Universidade do Texas.

Outros países aumentaram a sua produção de petróleo, para contrabalançar o impacto da Revolução Islâmica. E, apesar de o número de petroleiros atacados durante a fase mais intensa do conflito – de 1984 a 1987 – parecer suficiente para afectar o abastecimento global de petróleo, acabou por se compreender que os petroleiros são navios difíceis de afundar. Apenas um quarto dos navios atacados naufragou ou ficou incapaz de navegar.

A guerra Irão-Iraque de 1980 expôs as complexidades dos laços comerciais e da geopolítica no Golfo Pérsico, mas não é comparável com o que poderia ser hoje um confronto entre os EUA e o regime iraniano. Se a “guerra dos petroleiros” foi uma extensão de um conflito, as tensões actuais no mar podem ser o gatilho de uma nova guerra. 

Exclusivo PÚBLICO/Washington Post

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