Teixeira dos Santos: “Não devo nada ao engenheiro Sócrates”

Responsável pelas Finanças garante que “nunca interferiu em qualquer operação” da CGD. Teixeira dos Santos diz que CGD não equacionou venda de acções do BCP não por “risco sistémico” para por “dano” à própria CGD.

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O antigo ministro das Finanças está a ser ouvido pelos deputados LUSA/MIGUEL A. LOPES

Fernando Teixeira dos Santos, antigo ministro da Finanças do Governo de José Sócrates, disse esta tarde na comissão de inquérito à gestão da Caixa Geral de Depósitos que nunca interferiu nas operações da Caixa Geral de Depósitos e que não tem razões para se arrepender das nomeações que fez para o conselho de administração do banco público, nomeadamente de Carlos Santos Ferreira e Armando Vara, contudo, diz não ser “responsável pelos actos" desse conselho de administração.

Fazendo a ressalva de “até ao momento”, Teixeira dos Santos disse, em resposta, ao deputado do PSD Duarte Marques: “Não tenho razões para me arrepender dessas nomeações”.

Ao mesmo deputado, o antigo ministro das Finanças admitiu que foi da sua “responsabilidade a nomeação da administração que iniciou funções em 2005”. “Relativamente a isso nunca a enjeitei. Não sou é responsável pelos actos que a administração terá cometido”, disse o antigo governante. Acrescentou ainda que se interroga se outro conselho de administração teria feito diferente: “A grande interrogação é a de saber se, efectivamente, com um conselho de administração diferente, a CGD teria tomado decisões diferentes relativamente a um conjunto de operações. Não tenho a certeza disso”, disse.

Mais tarde, em resposta à deputada do CDS, Cecília Meireles, o antigo ministro revelaria que falou das nomeações para a Caixa com o então primeiro-ministro José Sócrates e que este o questionou sobre a escolha de Armando Vara porque estava preocupado com o facto de poder gerar “ruído mediático”.

Já no fim da audição, que durou cerca de quatro horas, Teixeira dos Santos acabaria por desabafar sobre a sua relação com o antigo primeiro-ministro: “Não devo nada ao engenheiro Sócrates. Não falo com ele há anos [desde o pedido de ajuda] e praticamente estivemos de relações cortadas”, contou, acrescentando que apenas o voltou a ver há uns anos, mas apenas uma vez. Isto porque Duarte Marques o questionou sobre o facto de tomar para si a responsabilidade da escolha de Armando Vara para a administração da CGD. 

Nessa mesma resposta conjunta às últimas perguntas de todos os deputados, Teixeira dos Santos haveria de admitir que houve “falhas” de vária natureza incluindo de supervisão e “políticas”. “Acho que todos falhámos um pouco”, lamentou.

Lembrando que havia críticas antes da nomeação da administração de Santos Ferreira ao facto de a Caixa (com Vítor Martins) operar com risco excessivo, acrescentou: “Não tenho a certeza que, de facto, a raiz dos problemas que a Caixa enfrentou em virtude das operações que decidiu praticar se tenha devido ao conselho de administração que lá esteve, ou se, pelo contrário, a um conjunto de circunstâncias que se alteraram de forma significativa, que, não tendo sido expectáveis, puseram em risco ou concretizaram-se em risco”.

Esta ideia vai ao encontro do que disse na sua declaração inicial, em que pôs a tónica do assunto na crise que se abateu depois da queda do Lehman Brothers.   “As expectativas foram inesperadamente frustradas pela crise”, disse. “A riqueza não produzida ao longo dos dez anos representa uma perda de mais de 70 mil milhões de euros. Famílias e empresas que esperavam este fluxo de riqueza para honrarem os seus compromissos viram esta expectativa frustrada e muitos foram arrastados para situações de incumprimento”, referiu.

Mais tarde, concretizou a ideia e disse que tem “alguma dificuldade em considerar que foram actos dolosos que estiveram por detrás das dificuldades”. Mas se os houve, defendeu, “que se investiguem”.

Um dos pontos que a comissão de inquérito tenta apurar é se houve ou não interferência política nas acções da CGD. Teixeira dos Santos começou logo por dizer: “O Estado como accionista nunca interferiu em qualquer operação que tenha sido efectuada pela CGD”, garantiu. 

Nem mesmo quando recebeu uma “nota pessoal” de Faria de Oliveira, quando este fez um ano na administração do banco público, sucedendo a Santos Ferreira. O antigo presidente do banco público tinha referido esta semana que tinha enviado uma informação a Teixeira dos Santos em 2009 sobre o risco sistémico da exposição da Caixa ao BCP, por via das acções dadas como garantias.

Questionado sobre essa questão, Teixeira dos Santos diz que a tal nota se tratava de um comentário sobre como tinha sido o trabalho do banco público naquele ano e referia que a administração do banco público iria “repor ou exigir o reforço das garantias nesse crédito”, referindo-se ao crédito à Fundação José Berardo. “Não houve necessidade de intervenção do accionista”, assegurou.

Surpresa com Santos Ferreira no BCP

Teixeira dos Santos referiu ao longo da audição que foi surpreendido pela ida de Carlos Santos Ferreira para o BCP, trocando o banco público pelo privado. Aos deputados, garantiu que nunca teve “nenhum indício de haver uma agenda escondida” de Santos Ferreira e que não viu na sua ida para o BCP qualquer conflito de interesses.

Apesar disso, quis deixar claro, em resposta ao antigo administrador do BCP, Filipe Pinhal, que o acusou de fazer parte de um golpe ao banco privado, que não promoveu a ida de Santos Ferreira. “Não promovi nem patrocinei a candidatura do dr. Santos Ferreira para presidência do BCP. Não era na altura clérigo ou padrinho para dar bênção ao que fosse”.

Na audição de terça-feira, Vítor Constâncio, então governador do Banco de Portugal disse que na altura tinha como responsabilidade a representação externa do BdP em Frankfurt e que não acompanhava a supervisão bancária - esse era pelouro de Pedro Duarte Neves. Esta quarta-feira, Teixeira dos Santos disse aos deputados que quando aconteceu a mudança no BCP, estava com outro “foco”. “O meu foco nestes meses estava na crise do subprime, na agenda do Ecofin e na execução orçamental, não me preocupava uma disputa de poder entre accionistas de um banco privado”, disse. 

Durante uma troca de argumentos com a deputada do BE, Mariana Mortágua, Teixeira dos Santos recusou a ideia que a CGD não tinha um plano estratégico e que houvesse falta de avaliação dos objectivos, quando a deputada referiu que não percebia como era feita essa avaliação, uma vez que alguns dos objectivos (como o crédito concedido a PME) não era cumprido, e que parecia haver apenas uma avaliação dos resultados: se a CGD dava lucro ou não. 

Na sequência desta conversa, a deputada voltou a perguntar sobre a informação que Faria de Oliveira em que o administrador da Caixa referia a preocupação que tinha com os créditos do banco público para compra de acções. Nessa nota, contou Teixeira dos Santos, o administrador referia  “o efeito que poderia ter a venda em bloco, que poderia ter impacto negativo e o avolumar das perdas inerentes dessa carteira de acções” de títulos do BCP, uma vez que tinham sido dados como garantia para os empréstimos para os adquirirem.

Quando questionado se isto tinha sido feito por poder haver um risco sistémico para a banca, respondeu: “Não se pode tirar necessariamente esta conclusão. A preocupação que havia era de evitar um dano patrimonial maior, e não propriamente uma preocupação de natureza sistémica”, admitiu.

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