Estudo dos benefícios fiscais deixa de fora análise fina da zona franca

Aplicação dos benefícios às empresas licenciadas na praça madeirense está sob escrutínio da Comissão Europeia.

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O grupo de trabalho foi nomeado pelo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Mendonça Mendes Daniel Rocha

O grupo de trabalho sobre os benefícios fiscais que nesta segunda-feira apresentou o seu relatório fez uma análise mais fina aos incentivos de IRC com uma despesa mais elevada, acima de 50 milhões de euros. Os benefícios às empresas licenciadas na Zona Franca da Madeira (ZFM) entram no critério que os próprios especialistas definiram, mas os peritos coordenados pela economista Francisca Guedes de Oliveira decidiram deliberadamente deixar de fora os incentivos da praça madeirense.

Para passar ao lado da ZFM, a razão invocada pelos 13 especialistas que assinam o estudo é o facto de estar a decorrer o processo de investigação aberto pela Comissão Europeia, que em Julho de 2018 decidiu, de forma preliminar, que Portugal aplicou as regras de 2007 a 2014 de uma forma que constitui um “auxílio ilegal”, atribuindo benefícios de IRC sem cuidar se os empregos eram criados e mantidos na Madeira, e sem cuidar se os lucros tinham origem em actividades desenvolvidas na região.

O estudo foi pedido pelo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, António Mendonça Mendes, o governante que nomeou o núcleo de especialistas, uns economistas, outros da área fiscal.

Para os benefícios fiscais de IRC com uma despesa fiscal anual acima dos 50 milhões de euros, o grupo de trabalho seleccionou uma amostra. “A única excepção respeita aos benefícios em sede de IRC concedidos às entidades licenciadas na ZFM (artigos 36.º e 36.º-A do Estatuto dos Benefícios Fiscais), cuja despesa fiscal para o período de tributação de 2017 ascendeu a 76,2 milhões de euros, considerando que os mesmos se encontram a ser objecto de análise pela Comissão Europeia”, lê-se como justificação no relatório.

Os incentivos da ZFM aparecem na listagem dos 542 benefícios e na contabilização da despesa dos últimos anos. Além disso, só são lembrados numa parte do documento onde se recupera a discussão sobre o conceito de “benefício fiscal”, que, lembram os peritos, “não é consensual e nem sempre utilizado de forma consistente”. No estudo, é “considerado como uma forma de eliminação ou redução de receita fiscal e que tem obrigatoriamente um objectivo claro extrafiscal. Corresponde efectivamente a receita cessante e nesse sentido tem uma despesa fiscal associada”.

Os incentivos implicam que o Estado renuncie a receita, mas há casos em que, lembram, se os benefícios não existissem, também não haveria a actividade económica que os origina. É neste ponto do debate que incluem o caso da zona franca. Afirmam os peritos: “Note-se que se poderá argumentar que existem situações que não correspondem efectivamente a receita cessante, uma vez que, na ausência de benefício, não existiria a actividade que origina o benefício (exemplo Zona Franca da Madeira). Ao considerarmos sempre receita cessante fazemos a comparação com um cenário de colecta de receita sem a perda do valor correspondente ao benefício admitindo que a actividade que o originou existiria da mesma forma, ou seja, admitindo que o benefício não altera comportamentos.”

Foram quatro os incentivos com despesa mais relevante em IRC que o grupo analisou: o regime fiscal de apoio ao investimento (RFAI); a dedução em IRC por lucros retidos e reinvestidos; o incentivo às pessoas colectivas de utilidade pública e solidariedade social; os benefícios fiscais a fundos de pensões em IRC, IMT e IRS. O documento inclui ainda um estudo de impacto do Sifide (sistema de incentivos fiscais à investigação e desenvolvimento empresarial). E mais casos noutros impostos com impacto acima de 50 milhões: a isenção e dedução de IRS às pessoas com deficiência; e o regime fiscal de IRS dos residentes não habituais.

O documento é coordenado por Francisca Guedes de Oliveira, professora na Universidade Católica do Porto, que já participara na equipa de Mário Centeno que elaborou o cenário macroeconómico do PS para as legislativas de 2015.

O grupo de trabalho dos benefícios contou com outros 12 nomes: Alexandra Pinto Leitão (professora na mesma universidade), Ana Gonçalves (quadro da Inspecção-Geral de Finanças e ex-adjunta no gabinete de Fernando Rocha Andrade), António Moura Portugal (advogado da sociedade DLA Piper), Bernardo Sousa Reis (fiscalista, chefe de gabinete do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais), Daniel Marques Pinto (inspector tributário), Helena Martins (directora de serviços do IRC da AT), Helena Vaz (directora de serviços do IRS), João Pedro Santos (director do Centro de Estudos Fiscais), José Carlos Caldeira (investigador), Luís Bento de Castilho (adjunto do gabinete do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais), Ricardo Paes Mamede (economista e professor no ISCTE-IUL) e Rui Dinis Nascimento (fiscalista, ex-adjunto no gabinete do secretário de Estado Mendonça Mendes).

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