Mais um dia de greve no São Carlos, mais um dia de silêncio da tutela

Trabalhadores do Opart já pediram a intervenção do primeiro-ministro para desbloquear o impasse. A harmonização salarial por que esperam desde 2017 custaria ao Estado “apenas 60 mil euros”, dizem.

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DAVID CLIFFORD/ARQUIVO

A terceira e antepenúltima récita da ópera La Bohème, que estava marcada para a noite desta terça-feira, foi cancelada, tal como as duas anteriores apresentações desta produção do Teatro Nacional de São Carlos, devido à greve dos funcionários do Opart – Organismo de Produção Artística. Os trabalhadores estão desde sexta-feira em protesto contra os recuos na negociação do novo regulamento interno de pessoal e os sucessivos adiamentos do compromisso, já assumido pela tutela, de equiparação salarial dos técnicos das duas entidades que constituem o Opart, São Carlos e Companhia Nacional de Bailado (CNB). Uma medida pela qual esperam já, têm vindo a recordar, desde 2017.

Perante o impasse – e o silêncio da ministra da Cultura, Graça Fonseca, que até quarta-feira cumpre uma visita oficial à China, de resto acompanhada pelo presidente do conselho de administração do Opart, Carlos Vargas, e por bailarinos da CNB –, o Sindicato dos Trabalhadores do Espectáculo, do Audiovisual e dos Músicos (Cena-STE) já veio pedir a intervenção do primeiro-ministro António Costa, numa carta entregue esta manhã no Palácio de São Bento. “Do primeiro-ministro esperamos que tenha uma conversa séria e amena quer com a Cultura, quer com as Finanças, fazendo ver às duas tutelas o absurdo de se manter um conflito quando todas as partes já admitiram que os trabalhadores têm toda a razão”, explica ao PÚBLICO o dirigente sindical André Albuquerque, precisando que esta disparidade salarial prejudica “cerca de 20” técnicos do São Carlos. Em causa, acrescenta, está “uma verba diminuta” e que o Opart já tinha aliás inscrito no seu orçamento para 2019: “Estamos a falar apenas de 60 mil euros. Basta que se desbloqueie esse montante para que possamos retomar as negociações.”

O Cena-STE acusa o Ministério da Cultura de ter passado os últimos meses “a jogar com os prazos e com as condições necessárias para avançar” e estranha a ausência de qualquer representante do Ministério das Finanças nas três reuniões do grupo de trabalho constituído em Abril para dar seguimento às negociações que até então decorriam apenas entre os trabalhadores e a administração. E estranha também que reivindicações que a tutela até aqui fizera depender da aprovação do regulamento interno, como a progressão na carreira de cinco bailarinos da CNB, tenham agora luz verde para avançar, ao passo que a harmonização salarial, que chegou a estar agendada para Junho, se vê adiada para 2020.

Fracassado um primeiro regulamento interno que Graça Fonseca considerou não ser “adequado” – palavras da ministra na sua última audição regimental na Assembleia da República, a 28 de Maio –, a nova proposta apresentada aos trabalhadores no âmbito do grupo de trabalho é, diz André Albuquerque, “brutalmente insuficiente”: “Andámos muito para trás em relação à proposta que nos foi informalmente apresentada em Junho do ano passado.”

A greve dos trabalhadores a todas as récitas de La Bohème foi decidida em plenário na passada quinta-feira, véspera da estreia desta ópera de Giacomo Puccini que teria direcção musical a cargo de Diego Matheuz e encenação de Arnaud Bernard. Segundo números fornecidos ao PÚBLICO pelo São Carlos, estarão envolvidos nesta produção 180 funcionários, dos quais 117 fizeram greve na sexta-feira e 71 fizeram greve no sábado. Face à paralisação, a administração do Opart declarou suspensas as negociações em curso, num comunicado em que lembrava “os prejuízos que a greve causará ao público” e lamentava “a ruptura do processo negocial, numa altura em que havia disponibilidade das áreas governativas da Cultura e das Finanças para resolver problemas que se arrastavam há vários anos, com danos para os trabalhadores”.

Já este domingo, num comunicado publicado na sua página da Internet, os trabalhadores representados pelo Cena-STE disseram-se indignados “ao saberem que (…), num dos momentos mais complexos para o normal funcionamento do único teatro de ópera do país e da única companhia nacional de bailado”, o presidente da administração do Opart “tenha optado” por acompanhar a comitiva oficial de visita à China. E recordavam que “o valor de bilheteira perdido pelo Opart” nas duas récitas até então canceladas – que esta noite passaram a ser três – “corresponde a cerca do dobro do valor necessário” para viabilizar a harmonização salarial que reivindicam “e para sanar uma situação ilegal”. 

Contactado pelo PÚBLICO, o gabinete do MC continua a remeter para o comunicado de quinta-feira do Opart. Também a administração do Opart (cuja nova composição a tutela anunciou, no início de Maio, estar para “breve") se mostrou indisponível para comentar a situação. A ópera La Bohème tem ainda mais duas récitas previstas até ao final da semana – as últimas datas são 14 e 16 de Junho.

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