A África dele não se prevê, vive-se

Gonçalo Cadilhe caminhou “quase sempre” sozinho. África Acima é o resultado de 27 mil quilómetros percorridos durante oito meses.

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Quinze países, 27 mil quilómetros, oito meses. Há um mapa nas primeiras páginas deste livro de Gonçalo Cadilhe – cuja capa mostra uma paisagem árida e um caminhante de chapéu, cajado na mão e mochila às costa. África Acima (na sua décima edição, agora pela Clube do Autor). Do cabo da Boa Esperança, no extremo sul de África, ao estreito de Gibraltar, no extremo Norte. Sempre junto ao chão. Sempre perto das pessoas.

“É este o meu projecto: atravessar África. Prosseguir do Sul para o Norte utilizando as estradas do continente, recorrendo aos transportes públicos, aos autocarros maltratados pelos anos, aos comboios que ainda andam, pedindo boleia, viajando com as pessoas da terra – em terra onde estiver, farei como vir fazer. Excluo o transporte aéreo, voar sobre África não é viajar por África. Aliás, voar não é viajar.”

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Como não seria de esperar, as suas previsões africanas “falharam... infalivelmente”. De pouco serviram as mil e uma viagens deste viajante profissional, a América Central, o Afeganistão, o planalto andino, as ilhas mais recônditas da Indonésia, os relatos dos outros livros – dos seus e dos outros autores viajantes da história. “De pouco serviram os quinze anos de experiência a viajar pelo resto do mundo”, escreve Cadilhe numa nota introdutória do seu último livro, com cerca de 200 páginas (e dois grandes parêntesis onde nos deixa espreitar o fim de tarde nas dunas de Sossusvlei, alguns bebés residentes da Fundação Harnas, um arco-íris nas Cascatas de Vitória, o Portugal do Estado Novo intacto nas fachadas do Lubango, paisagens “de conto de fadas”, as atribuladas travessias nos rios e as piores estradas da sua vida). “A África não se prevê, vive-se. Vai-se lá.”

Foi uma “travessia terrestre à velocidade de um cruzeiro de mar”, resume o autor, que arrancou com previsões “sombrias” de África e com uma “visão apocalíptica” das questões de saúde. Correu tudo “lindamente” num continente com “poucas estradas e muitos países”. Nem insegurança pessoal, nem problemas com as autoridades, nem manifestações de agressividade ou racismo, nem falta de Internet quando precisou dela para enviar as crónicas do Expresso que agora estão compiladas neste livro que integra o Plano Nacional de Leitura. “Enganei-me. As populações africanas dos vários países que atravessei foram sempre generosas, hospitaleiras e fraternas comigo. Foi esta a mais importante lição, e hoje recordação, da minha viagem. Que surpresa, meu caro viajante tão experiente: encontrar o melhor da humanidade no lugar onde essa mesma humanidade apareceu. Mais uma vez as minhas previsões tinham falhado infalivelmente.”

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De que raça é o autor deste livro?

Gonçalo Cadilhe caminhou sozinho. “Quase sempre.” Depois de uma viagem de duas horas de poeira, vento e chuva na caixa de uma pick-up, sorriu para uma foto e deixou uma pergunta no ar: “De que raça é o autor deste livro?”

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