Senhor presidente

Não conte com obediência cega, mas com uma postura leal e séria. Senhor presidente, não desertarei do PSD.

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"Senhor presidente: deixe a exclusão, adopte a inclusão", sugere Paula Teixeira da Cruz. LUSA/TIAGO PETINGA

Senhor presidente, estou a escrever-lhe uma carta que lerá ou não, se para tal tiver tempo.

Senhor presidente, a minha deserção será apenas a de nada querer, no que respeita a cargos ou outras sinecuras, que poderá oferecer a quem os quiser ter. Mas eu estou muito longe de os querer.

Senhor presidente,

No mais não desertarei, mesmo percorrendo o caminho das pedras. Estou habituada a andar. No que toca à minha consciência e à minha lealdade, a elas obedecerei, será a minha verdade e delas não me desviarei.

Senhor presidente, a lealdade não é o seguidismo, não é a concordância acrítica, nem tão pouco calar erros que se podem evitar. Agradeci mil vezes aos que me indicaram outra direcção, quando me demonstraram que a minha estava errada.

Senhor presidente,

Muitos dos que o cercam não lhe dizem a verdade, mas esses não são nobre gente. Gente nobre não curva a cerviz, nem se curva servilmente.

Senhor presidente,

Não transforme o PSD num partido acéfalo, marchando sempre e apenas ao som da musical direcção.

Nunca tal foi prática e V. Exa é testemunha disso, diria, privilegiada. Teve essa liberdade e bem a saboreou, sem qualquer sanção ou ameaça.

Deixe-nos pensar, deixe-nos falar, deixe-nos contribuir e sobretudo trabalhar em prol do que sempre foram os nossos ideais.

Senhor presidente: deixe a exclusão, adopte a inclusão. Não é de boas contas excluir tanta da nossa gente, nem encarcerá-la em masmorras ideológicas, pois não compreenderão e desertarão.

Senhor presidente,

Também não fica mal assumir erros próprios, mas mal será atribuí-los a terceiros.

Senhor presidente,

Não queira ser ditador, sem alma e sem dor, isolado em qualquer corredor, longe de quase todos nós. Não mate a matriz do PSD, não abandone as nossas causas que hoje ninguém vê.

Fomos primeiros na defesa do ambiente, da ética na política, do fim da impunidade, no combate à corrupção, na recuperação do país e não esgotei as nossas causas. Mas quem se lembra disso?

Senhor presidente,

Não se esconda. Não transforme o PSD num partido afastado dos problemas dos que habitam as grandes cidades e que se sentiram desconsiderados e, quanto ao interior, nada se viu.

Líderes existirão poucos, mas é o presidente do meu partido, no qual milito e do qual não vou desertar.

Combaterei ao lado de medidas como o reforço da autonomia do Conselho Superior do Ministério Público e do não condicionamento dos media.

Deixe isso para os partidos totalitários, que essa é a sua matriz.

Não conte com obediência cega, mas com uma postura leal e séria.

Senhor presidente, não desertarei do PSD.

(Inspirado e parafraseado de O Desertor, de Boris Vian)

Nota: um lapso lamentável fez com que a fotografia que acompanha este texto na edição impressa do PÚBLICO tenha sido a do Presidente da República e não a do presidente do PSD. As nossas desculpas aos visados e aos leitores.

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