A falta de memória é a falta de vergonha de Constâncio

Um homem que não se lembra de ter assumido tão solenes e graves decisões não pode suscitar-nos compreensão e complacência, antes a penalização e o desprezo.

A memória, ou a falta dela, tornou-se um dos ingredientes fatais para impedir o país de ajustar as contas com uma faceta tenebrosa do seu passado recente. Vítor Constâncio, ex-governador do Banco de Portugal foi mais um dos que, instados a explicar as causas dos abusos da banca, invocaram o esquecimento para se eximir das suas responsabilidades.

Está na hora de dizer basta a este tipo de atitude. Chegou o momento de dizer que a falta de lembrança não pode ser considerada como uma desculpa ou uma atenuante. Tem de passar a ser encarada como uma tentativa consciente de escapar a culpas próprias num desastre que penaliza e envergonha o país. Um homem que não se lembra de ter assumido tão solenes e graves decisões não pode suscitar-nos compreensão e complacência, antes a penalização e o desprezo.

A revelação pelo PÚBLICO de correspondência entre o conselho de administração do Banco de Portugal e Berardo que prova a discussão de um pedido do empresário para obter um empréstimo de 350 milhões de euros da CGD confronta-nos com uma de duas possibilidades: ou Vítor Constâncio mentiu deliberada e conscientemente na comissão de inquérito ao dizer que não sabia de nada, ou tornou pública a sua irresponsabilidade e inaptidão para o cargo relevante que exerceu.

Se o responsável máximo pela regulação do sector financeiro consegue esquecer uma reunião cujo único ponto da agenda era um empréstimo de tal magnitude, feito por um banco público sem garantias reais, é porque é incompetente. Mesmo que nessa época o país tenha vivido momentos de esplendorosa irresponsabilidade e tenha sido sujeito a uma operação criminosa que visava o controlo do poder financeiro, 350 milhões sem garantias reais são 350 milhões sem garantias reais.

É por isso que Vítor Constâncio não pode passar por este processo livrando-se das suas decisões com a desculpa da falta de memória. Ter esquecido tão grande e grave momento faz dele candidato ao cargo do mais incompetente servidor público das últimas gerações. E se não o foi, se guardou a decisão na memória e a omitiu com uma mentira, torna-se um dos principais cúmplices da trapaça financeira que tanto nos custa a pagar.

Enquanto jornal empenhado na defesa do interesse público, o que sabemos permite-nos desde já estabelecer a sua responsabilidade e a sua culpa profissional e ética. Mas não basta: exigimos também que a Justiça se envolva para que, como cidadãos, nos seja possível viver de cabeça levantada por termos sido capazes de ajustar as contas com esse passado trágico e vergonhoso.

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