Mundial 2019, um ponto de viragem para o futebol feminino?

Os prémios aumentaram, há jogos esgotados e mais patrocinadores. Em França, o torneio reúne 24 selecções debaixo de uma estratégia ambiciosa e promessas de mudanças mais profundas.

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A selecção francesa na véspera do jogo de abertura, com a Coreia do Sul Reuters/LUCY NICHOLSON

Como recompensa pela conquista do primeiro dos oito títulos europeus que hoje detém, alcançado em 1989, a selecção da Alemanha de futebol feminino recebeu... um conjunto de chá. A memória deste “prémio” foi repescada pela actual geração germânica e incluída num anúncio que visa promover a igualdade de género a reboque do Campeonato do Mundo que hoje começa, em França. É um torneio que continua a léguas dos padrões do homólogo masculino, mas que tem enorme potencial para funcionar como um ponto de viragem na história.

A história do Mundial feminino tem sido uma história de crescimento, à imagem de tantas outras competições de alcance planetário. Começou em 1991, com 12 selecções e 26 jogos, e desde 2015 que já cruza 24 equipas ao longo de 52 partidas; em 1991, na China, atraiu cerca de 510 mil espectadores, enquanto há quatro anos esse número disparou para 1.353.506 adeptos nas bancadas dos estádios canadianos. Mas o torneio mais relevante do calendário futebolístico tem também sido um campo de batalha contra a discriminação e uma plataforma privilegiada para a reivindicação de direitos.

“Para mim, este é o Campeonato do Mundo mais importante [de sempre], porque surge numa altura em que as mulheres estão cada vez mais a fazer-se ouvir, a reclamar igualdade e justiça. As mulheres representam 50% da população e para um desporto tão grande como o futebol será um erro desprezar 50% da população”, avalia Fatma Samoura, secretária-geral da FIFA, em entrevista à CNN.

Entre as principais agentes do futebol é clara a noção de que um hiato de 61 anos (o tempo que mediou entre o primeiro Mundial masculino e a estreia feminina) não se recupera de um dia para o outro. Por isso, posições de força como a que foi adoptada em 2017 pela selecção da Noruega e em Março pela dos EUA, que avançou com um processo judicial contra a federação norte-americana alegando “discriminação de género institucionalizada”, serão sempre um contributo importante. Mesmo que haja já alguns sinais encorajadores.

Em Abril, a FIFA já tinha dado conta de um número recorde de vendas de bilhetes, sendo que os jogos de abertura (o França-Coreia do Sul, às 21h, no Parque dos Príncipes), das meias-finais e da final se esgotaram em menos de 48 horas. Mais: tudo indica que este França 2019 vai ultrapassar a fasquia dos 750 milhões de telespectadores que se uniram à voltas das televisões há quatro anos e isso também ajuda a atrair patrocinadores (há seis “gigantes” entre os patrocinadores oficiais da prova neste ano).

Os ventos de mudança, porém, sopram também do lado da FIFA, que há meses anunciou uma estratégia global com o objectivo de assegurar que em 2022 todas as 211 federações possuam programas detalhados de desenvolvimento do futebol feminino. Traduzindo para números, a intenção é que em 2026 se atinjam os 60 milhões de praticantes (sensivelmente o dobro das futebolistas actuais), sendo que as pontes de comunicação com a cúpula do dirigismo também se têm estabelecido com mais frequência.

“Nas últimas semanas, a FIFA aceitou o nosso pedido para começarmos a negociar novas condições para as jogadoras das selecções depois do Campeonato do Mundo de 2019 e estamos determinados a fazer progressos reais e duradouros”, revelou o FIFPro, sindicato dos futebolistas. À cabeça no mapa de reivindicações está a aproximação na folha de pagamentos, mas também nas condições logísticas e nos serviços médicos disponibilizados. 

No fundo, a intenção é evitar casos como o da selecção da Jamaica, cujas jogadoras tiveram de proceder a uma angariação de fundos para poderem competir neste Mundial. Ou como o das atletas da Nigéria, que nos últimos anos têm reclamado o pagamento de bónus prometido pela federação — uma consequência do enorme sucesso que têm alcançado, mesmo tendo passado, por exemplo, todo o ano de 2017 sem competirem e sem seleccionador.

Um assunto sensível na relação entre as diferentes selecções e a FIFA são os prémios. É verdade que já ninguém recebe um conjunto de chá como reconhecimento pela competência desportiva, mas a diferença de valores entre os “hemisférios” feminino e masculino continua a gerar incómodo. Para se ter uma ideia da discrepância, aqui fica um exemplo: em 2015, os EUA, campeões mundiais femininos, tiveram direito a um prémio de 1,8 milhões de euros, ao passo que a Alemanha, vencedora do título masculino em 2014,  encaixou 31 milhões. 

A este respeito, a FIFA traduziu o seu empenho na causa dobrando, na presente edição do torneio, o valor que havia atribuído na anterior: serão 3,5 milhões para o vencedor e um montante global de 26,6 milhões a distribuir pelas equipas participantes (em 2018, as congéneres masculinas repartiram um total de 354 milhões). Portugal não está incluído no lote, porque não foi além do terceiro lugar no Grupo 6 de qualificação, atrás da Itália e da Bélgica.

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