Lisboa é a sexta cidade europeia mais poluída pelos navios de cruzeiro

Ambientalistas da Zero dizem que as emissões de óxidos de enxofre dos navios de cruzeiro na costa portuguesa foram 86 vezes superiores às emissões dos automóveis que circulam em Portugal. Associação sugere que seja criado um regulamento para todos os portos europeus para que se atinjam níveis de limites de emissão zero nos navios.

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Ricardo Lopes

Lisboa foi a cidade europeia que mais navios de cruzeiro recebeu em 2017. No entanto, um indicador que pode ser bom para a economia da capital acaba por ter um retorno negativo para o ambiente. O alerta vem num estudo da Federação Europeia dos Transportes e Ambiente (T&E) que coloca a Lisboa em sexto lugar entre as cidades europeias mais expostas à poluição por navios de cruzeiro — depois de Barcelona, Palma de Maiorca, Veneza, Civitavecchia (Roma) e Southampton.

Esta foi uma das conclusões do estudo, agora divulgado pela associação ambientalista Zero, que avaliou as emissões de diferentes poluentes provenientes de 203 navios de cruzeiro de luxo de 50 portos europeus. Em 2017, passaram por Lisboa 115 navios de cruzeiro, fazendo do porto da capital o mais concorrido a nível europeu, seguindo-se Barcelona e Palma de Maiorca. Estes navios estiveram estacionados 7953 horas. O porto de Lisboa foi, assim, o terceiro maior porto europeu em termos de horas totais de estacionamento, depois de Barcelona e Veneza. 

De acordo com as contas apresentadas no estudo, os navios de cruzeiro que passaram pelo capital libertaram 3,5 vezes mais óxidos de enxofre — um gás que causa problemas respiratórios, dores de cabeça e indisposição — que os 375 mil automóveis que diariamente circulam em Lisboa. Quanto aos óxidos de azoto — que têm sobretudo origem na queima de combustíveis fósseis (na indústria ou transportes) e estão também na origem de outros poluentes, como as partículas finas e o ozono (ao nível do solo) —, os navios de cruzeiro emitiram quase o equivalente a um quinto dos carros que circulam na cidade.

“Os navios de cruzeiro de luxo são verdadeiras cidades flutuantes alimentadas por alguns dos combustíveis mais poluentes. As cidades estão a restringir a circulação dos veículos a gasóleo, mais poluentes, mas as autoridades locais estão a dar total liberdade às empresas de cruzeiros para continuarem a emitir gases e partículas tóxicas que causam danos imensuráveis na saúde, o que é inaceitável”, nota Francisco Ferreira, presidente da associação ambientalista Zero e professor na área da qualidade do ar Faculdade de Ciências e Tecnologia, da Universidade Nova de Lisboa. 

Atingir emissões zero

O estudo apresenta ainda resultados em termos nacionais, que colocam Portugal em sexto lugar entre os países europeus mais expostos à poluição por óxidos de enxofre dos navios de cruzeiro, depois de Espanha, Itália, Grécia, França e Noruega. Será fácil de perceber porque estão estes países mais expostos a esta fonte de poluição — são grandes destinos turísticos. Mas também porque, explica a Zero, “têm limites de enxofre nos combustíveis navais menos rigorosos, permitindo assim que os navios de cruzeiro queimem combustível mais sulfuroso (e mais poluente) ao longo dos seus litorais”. 

A associação ambientalista comparou ainda os dados do estudo da T&E com o inventário oficial de emissões de óxidos de enxofre da Agência Portuguesa do Ambiente, referentes a 2017, concluindo que as emissões dos navios de cruzeiro na costa portuguesa foram 86 vezes superiores às emissões dos automóveis que circulam em Portugal (5100 toneladas em relação a 59 toneladas, respectivamente). No total, este poluente libertado pelos navios representa mais de 10% do total das emissões nacionais de óxidos de enxofre (5100 toneladas em relação a 47500 toneladas), diz a Zero em comunicado.

Se olharmos para o contexto europeu, o cenário é semelhante: as emissões de óxidos de azoto dos navios de cruzeiro equivalem a cerca de 15% do total que a frota de automóveis emite num ano, refere o estudo.

“Precisamos de fazer a transição para combustíveis mais limpos de forma voluntária, e que os governos intervenham e imponham, desde já, limites restritivos de emissão nas suas zonas costeiras, e no médio prazo, limites zero nos portos nacionais”, nota Francisco Ferreira. Para a Zero, a Europa “deve implementar, o mais rapidamente possível, um regulamento, a aplicar em todos os portos europeus, com planos para se atingirem limites de emissão zero nos navios, o que pode ser conseguido através da electrificação associada ao armazenamento de energia proveniente de fontes renováveis”.

O estudo da Federação Europeia dos Transportes e Ambiente recomenda ainda que sejam ampliadas as Áreas de Controlo de Emissões (ECAs, na sigla em inglês) — que estão em vigor apenas nos mares do Norte e Báltico e Canal da Mancha — para os restantes mares europeus, como a costa Atlântica e o Mar Mediterrâneo. O estudo propõe também que se regulamentem as emissões de óxidos de azoto dos navios existentes, uma vez que estão isentos de limites de emissão, diz a Zero.

Ao PÚBLICO, o Porto de Lisboa sustenta que promove já medidas de boas práticas ambientais, como “o uso obrigatório de combustível com teor de enxofre inferior a 0,1% durante a escala” e a “inspecção regular navios em porto” ao tipo de combustível utilizado, à existência de equipamentos que permitam reduzir as emissões ou ao cumprimento de regulamentos em vigor”. O Porto de Lisboa diz ainda que foi feita uma “candidatura ao Fundo Azul para um projecto para monitorização da qualidade do ar na área de jurisdição da APL, com especial incidência nas áreas adjacentes ao terminal de passageiros e alguns terminais de carga”, que tem como parceiros a Lisbon Cruise Terminals e a FCT (Universidade Nova de Lisboa), e está a aguardar decisão. 

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