Ricardo Herrero: “A Venezuela é apenas o pretexto para reverter a política de abertura a Cuba”

Director executivo do Cuba Study Group critica a decisão de proibir os navios de cruzeiro de levar turistas para Cuba, garantindo que só vai afectar o cubano comum. E diz que os conselheiros de Trump só estão a pensar nos eleitores cubanos da Florida.

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"Há pessoas em Washington que continuam a insistir nesta política porque faz deles bons políticos no estado da Florida", diz Herrero DR

Ricardo Herrero é o director executivo do Cuba Study Group, organização sem fins lucrativos com sede em Washington que pretende “facilitar a mudança pacífica em Cuba”. Critica a decisão da Administração Trump por considerar que só atinge o povo cubano e não os seus dirigentes e nada faz para a mudança do regime. Pelo contrário, permite à “máquina de propaganda do Governo” cubano fazer dos EUA o único culpado dos problemas económicos da ilha. Para Herrero, esta decisão nada tem a ver com Cuba, está destinada a ganhar a Florida para Donald Trump.

Acredita que esta decisão terá um impacto político em Cuba?

Certamente irá alimentar a máquina de propaganda do Governo. Podem voltar para a zona de conforto de caracterizarem os Estados Unidos como inimigo, como uma nação que está constantemente a tentar impor a sua vontade em Cuba e a tentar fazer cair o Governo cubano e como a razão para a actual crise económica e todos os falhanços económicos em Cuba. Em termos de resultado político, não me parece que seja aquele que os conselheiros de Trump estão à procura e certamente irá acirrar o sentimento político anti-americano na ilha.

Acha que influenciará a política cubana em relação à Venezuela?

Não há nenhuma razão para pensar que esta política conseguirá outra coisa além de empurrar Cuba e o Governo de Maduro para uma maior co-dependência.

Será esta mais uma decisão para reverter a política de abertura de Barack Obama em relação a Cuba?

Completamente. É preciso ter em conta que os conselheiros de Trump para a América Latina, sejam John Bolton, Mauricio Claver-Carone ou o senador Marco Rubio, sempre contestaram a abertura a Cuba, sempre quiseram reverter essa política muito popular. A Venezuela é apenas o pretexto para conseguir vender isso ao público.

Estão apenas a usar a proibição do turismo com fins políticos?

Estão a usá-la por razões essencialmente políticas. Se, por acaso, tiver o impacto positivo de cortar a relação entre Venezuela e Cuba, o que é altamente improvável, será apenas a costumeira cereja no topo do bolo. Mas estão a fazê-lo apenas por razões políticas e ideológicas – sabem que este assunto tem muita aceitação na sua base de apoio na Florida e convenceram o Presidente de que ganhou na Florida em 2016 graças, em grande medida, aos exilados cubanos mais velhos e que para ganhar outra vez em 2020 precisa de o fazer.

Esta decisão está directamente relacionada com o discurso de lançamento da recandidatura à presidência marcado para o dia 18, em Orlando, na Florida?

Podemos esperar que utilize uma retórica muito agressiva e fale muito sobre a Venezuela e Cuba e tente enquadrar a política em relação aos dois países como uma única política que está a mudar.

O Governo dos EUA justifica-se dizendo que o turismo dos cruzeiros apenas ajuda as altas esferas do poder em Cuba e não traz benefícios ao cubano comum. É um bom argumento?

Não acredito que os cubanos comuns pensem o mesmo. Se se perguntar à maioria dos cubanos em Cuba, eles dirão que restrições de viagem como estas isolam ainda mais o povo cubano dos EUA. Também impedem os viajantes dos EUA, que são os maiores embaixadores dos valores americanos, de contactar directamente com os cubanos comuns. Além disso, a redução das viagens também terá um impacto negativo nas empresas privadas que lidam habitualmente com estes visitantes.

Depois de 60 anos de sanções a Cuba sem sucesso na mudança de regime, por que razão Washington insiste numa política que teve um resultado contrário ao pretendido?

Há pessoas em Washington que continuam a insistir nesta política porque faz deles bons políticos no estado da Florida, especialmente entre os republicanos do sul da Florida. Essa é a única razão. Hoje está demonstrado que o embargo é um completo fracasso. E que tivemos mais mudanças em Cuba com a abertura do Presidente Obama que em qualquer momento de embargo.

Vamos assistir a mais decisões em relação a Cuba com esta administração?

É muito provável. Eles mostraram claramente que se a situação na Venezuela se continuar a deteriorar, e Maduro não se demite e os cubanos não lhe retiram o apoio, as opções permanecem em aberto e continuarão a tomar medidas em relação a Cuba. Claro que com um embargo de 60 anos activo, os EUA ficam limitados. Todas as grandes sanções que podiam ser impostas contra altos cargos cubanos já são impostas a todos os cubanos há 60 anos, restando apenas ajustes marginais que só têm impacto na população e não afectam muito a liderança em Havana.

Esta decisão põe um ponto final na abertura promovida pela Administração Obama?

Não. Ainda há muita coisa que se mantém em vigor, todas as outras categorias de viagens são autorizadas com licenças gerais. Ainda se podem apoiar empresários na ilha e comércio com pessoas do sector privado em Cuba. Ainda vendemos produtos agrícolas e outros bens alimentares. Muita da abertura mantém-se, mas a reversão tem sido danosa para as relações bilaterais e o povo cubano é o mais afectado, porque não tem havido penalizações para os políticos.

Em Abril, a União Europeia enviou uma carta à Administração Trump a ameaçar com retaliar contra as empresas dos EUA em solo europeu se as empresas europeias nos EUA fossem sancionadas pelos seus investimentos em Cuba. Acha que Cuba poderá servir de argumento para uma guerra comercial com os EUA?

Certamente deitou gasolina no fogo. Já há tensões comerciais e outras entre os EUA e a Europa, isto só ajuda a escavar mais o buraco. Mas ainda é cedo para saber se resultará numa guerra comercial, até porque Cuba é um mercado muito pequeno. No entanto, não ajuda nada a melhorar as relações EUA-UE.

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