Dos 150 alojamentos comprados numa rua de Alfama só um foi para habitação própria

A larga maioria dos restantes alojamentos são destinados a alojamento turístico.

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Nuno Ferreira Santos

Investigadores acompanharam durante dois anos a evolução da habitação numa área de 3,6 hectares à volta de uma rua de Alfama, em Lisboa, e concluíram que, de 150 apartamentos comprados, apenas um foi destinado à habitação própria.

O estudo, focado na análise à micro-escala da evolução da habitação no centro de Lisboa, incidiu sobre a área à volta da Rua dos Remédios, onde se registam 945 alojamentos clássicos e com uma população que, em 2011, não chegava aos 900 habitantes.

Ana Gago e Agustin Cocola-Gant, investigadores do Instituto de Geografia e Ordenamento do Território da Universidade de Lisboa, acompanharam o que aconteceu naquela rua entre 2015 e 2017 e cujas mudanças espelham um processo de gentrificação e transformação do tecido social daquele bairro histórico da capital.

Entre 2015 e 2017, na área de estudo intensivo, “foram comprados 150 apartamentos, mas apenas um para efeitos de habitação própria”, sendo que a maioria foi convertida em alojamento turístico e os restantes “permaneceram vazios, tendo sido óbito de sucessivas vendas”, notam os investigadores no estudo que está integrado no projecto “FINHABIT - Viver em Tempos Financeiros: Habitação e Produção de Espaço no Portugal Democrático”, coordenado pelo Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra.

Em 2016, 25% das habitações existentes (235 das 945) estavam destinadas ao alojamento turístico, o que representou um aumento de 60% no espaço de apenas um ano, referem os investigadores.

Desses 235 alojamentos turísticos, apenas dois dos apartamentos eram casas partilhadas por residentes, sendo que na pequena área analisada 14 prédios estavam totalmente destinados a alojamento turístico, notam os investigadores.

36 residentes forçados a abandonar as casas

Segundo o estudo, entre 2015 e 2017, 27 famílias, num total de 36 pessoas, foram forçadas a abandonar as suas casas e, das 27 casas identificadas de onde estes residentes saíram, 18 deram lugar a alojamento local e as restantes “permanecem vazias”.

“Para além disto, foram registados vários casos de desalojamento directo iminente, pelo que tudo indica que estes números irão aumentar num futuro próximo”, alerta o estudo, salientando que este processo de desalojamento - que na maioria dos casos ocorreu por não renovação de contrato de arrendamento ou aumentos incomportáveis de renda — “afecta não só inquilinos com poucos recursos económicos, mas também residentes de classe média que já pagavam rendas altas e estariam dispostos a pagar mais”.

Naquela rua, tornou-se “uma prática corrente” ver “agentes imobiliários e gestores de propriedades a calcorrear as ruas” e a perguntar aos residentes se querem vender os seus imóveis.

No caso de estudo, os investigadores frisam ainda que “não se verificou uma única situação de investimento para arrendamento de longa duração”, sendo que constataram também que há vários investidores que compram prédios, “não para lucrar com as respectivas rendas, mas para os deixar vazios”.

“Tudo indica que o uso de habitação como depósito de capital também está a acontecer em Lisboa, à semelhança do que acontece noutras cidades globais e que é estimulado pela subida dos preços da propriedade”, vincam no estudo integrado no projeto FINHABIT, cujos resultados estão presentes no livro A Nova Questão da Habitação em Portugal, que é lançado hoje pela Conjuntura Actual Editora, do grupo Almedina.

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