Arquitecto de Notre-Dame defende flecha “idêntica” à que ardeu e contraria Macron

Uma flecha “não datável” ou “uma reconstrução inventiva” para a catedral que ajuda a delinear o skyline de Paris? Philippe Villeneuve, arquitecto responsável pelo restauro de Notre-Dame, defende respeito pela Carta de Veneza.

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O momento da queda da flecha de Notre-Dame IAN LANGSDON/EPA

O arquitecto responsável pelo restauro da catedral de Notre-Dame, Philippe Villeneuve, defendeu esta terça-feira que a emblemática flecha que colapsou após o incêndio de Abril deve ser reconstruída de “forma idêntica”, à imagem da sua forma na altura do sinistro. Esta posição contraria a vontade expressa pelo Presidente francês Emmanuel Macron, que dissera já desejar “uma reconstrução inventiva” do pináculo que durante mais de um século definiu o horizonte de Paris. O concurso internacional para a reconstrução do monumento ainda não foi lançado.

“Para mim, não só é preciso refazer a flecha, como é preciso refazê-la de forma idêntica precisamente para que não seja datável”, disse esta terça-feira o arquitecto em entrevista ao diário Le Figaro. A sua opinião não é vinculativa, apesar de o condecorado Villeneuve estar encarregue do restauro de Notre-Dame desde 2013 e ser também o arquitecto responsável na área do património pelos Monumentos Históricos franceses. “Eu direi o que tenho a dizer e depois o governo decidirá.”

A flecha de Notre-Dame que o mundo viu colapsar ao final da tarde de 15 de Abril não tem tanta história quanto a catedral e seus oito séculos de existência. Foi a cereja no topo da obra de recuperação mais impactante que o monumento recebeu nos últimos dois séculos – aquela que foi iniciada em 1844 por Eugène Viollet-le-Duc e Jean-Baptiste Lassus. O pináculo foi erguido em 1860, embora entre 1250 e o final do século XVIII tenha existido uma primeira estrutura de uma flecha da qual restavam apenas poucas ilustrações, nada detalhadas, e que foi desmantelada entre 1786 e 1792. Regressaria então ao projecto de 1844, acabando por fixar-se em 93 metros de altura.

Quando do incêndio, o historiador de arte Paulo Almeida Fernandes foi peremptório nas suas declarações ao PÚBLICO: “A flecha da catedral de Notre-Dame é um símbolo agregador da Europa.”

Mas a opinião de Philippe Villeneuve contraria a vontade de Macron, que no final de Abril não só fixou o prazo das obras numa duração de cerca de cinco anos como, num discurso no Eliseu em homenagem ao Prémio Pritzker de 2019 Arata Isozaki, garantiu que a igreja voltará a ter uma flecha. “Devemos fazer uma reconstrução inventiva”, acrescentou Macron, aludindo à liberdade criativa que Viollet-le-Duc empregou e que resultou numa “aliança entre a tradição e a modernidade, uma audácia respeitosa”. O arquitecto tem consigo 25% dos inquiridos franceses, a avaliar por uma sondagem YouGov do final de Abril que mostrava que a maioria (54%) defende uma recuperação à imagem do que existia em Abril de 2019.

Philippe Villeneuve não quer aventurar-se, cita a agência de notícias AFP, e recorda que “a Carta de Veneza, [um tratado internacional de referência de 1964] impõe que se restaurem os monumentos históricos ao seu último estado conhecido”. Sobretudo existindo tanta documentação para servir de base, recorda, em contraste com a situação que Viollet-le-Duc enfrentou no século XIX.

A catedral de Notre-Dame de Paris é um testemunho único da arquitectura gótica e começou a ser construída em 1163. O incêndio de 15 de Abril de 2019 devastou o seu interior, tendo sido salvos os seus vitrais e as relíquias do tesouro, nomeadamente a coroa de espinhos que os cristãos acreditam ter sido usada por Jesus Cristo na crucificação, e a túnica de São Luís

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