Aviação europeia atravessa crise grave

As tarifas baixas deixaram de ser um monopólio das LCC, o que, associado ao aumento dos combustíveis, provocou verdadeira maré negra na aviação.

A crise internacional, associada à corrupção das elites, provocou em 2008 o colapso do sistema bancário da Islândia – então nos primeiros lugares do ranking do PIB per capita - colocando-a à beira do abismo. A regeneração da classe política e a aposta no turismo recuperaram o país do trauma, para o que contribuiu a criação em 2011 da WOW. Mas com a sua súbita falência, voltou a depressão, estimando-se já uma queda de 3,7% da moeda, o agravamento em 0,8% do desemprego e a contração do PIB em 0,4%. Sem a WOW, que transportou 3,5 milhões de passageiros em 2018, as previsões sobre o turismo revelam estagnação e retrocesso.

Outras companhias poderão recuperar no futuro o tráfego perdido, mas o mal está feito. Na mudança do milénio, ocorreu situação semelhante na Bélgica e Suíça, com as falências da Sabena e Swissair, que provocaram uma quebra brutal de tráfego dos aeroportos nacionais, só recuperando mais tarde após enormes investimentos nos aeroportos e criação de novas companhias nacionais (SN Brussels e Swiss).

Recordam-se estes factos porque há quem pense em Portugal que o eventual fim da TAP não seria um mal em si porque o mercado substituiria rapidamente eventuais lacunas. Tendo sido destruído o conceito de “companhias de bandeira” (como empresas do Estado ao serviço dos respetivos países) a expressão continua ainda assim a fazer sentido. As grandes companhias europeias, como a Lufthansa, Air France-KLM e British Airways, mesmo com gestão privada, continuam a ser decisivas para os respetivos países.

A aviação viveu tranquila até Reagan, nos anos 80, impor a liberalização visando a concentração, a exemplo do que já sucedera noutras atividades. Na década seguinte a Europa, sob a batuta de Tatcher, seguiu-lhe o exemplo.

Após aprovação da legislação pela União Europeia (UE), assistiu-se então ao início da privatização das “companhias de bandeira”, base do setor, com o argumento de que a situação existente potenciava a distorção das regras da concorrência impedindo o crescimento da atividade. Na época, os “teóricos” da liberalização previam a concentração em apenas 3 ou 4 companhias. Rapidamente a realidade revelou a incompetência da profecia…

Despontava já então a mudança: as “Low Cost Carriers” (LCC). E como o “novo” suscita sempre simpatia, as portas escancararam-se. Tornando rapidamente obsoleto o modelo charter, anos antes criado para servir o turismo, as LCC, agitando a bandeira das “tarifas baixas” ganharam mercado, beneficiando ainda de: 1. Dinâmica do apoio político à liberalização; 2. Inexistência de custos de antiguidade; 3. Facilidade na utilização das novas tecnologias; 4. Modelo de organização mais ágil na criação de bases operacionais fora dos países de origem; 5. Benefício discriminatório de subsídios e outros apoios.

Acresce que a UE e muitos Estados fecharam sistematicamente os olhos às violações da legislação, incluindo a laboral. Só agora, uma década depois, sob a pressão pública das greves na Ryanair, as autoridades começam a admitir a necessidade de respeitar a legalidade. Como exceção, recorde-se o bom exemplo da Dinamarca que fez depender a entrada da Ryanair em Copenhaga do cumprimento dos padrões empresariais e sociais em vigor em Kastrup.

Estas vantagens permitiram a algumas LCC atingir rapidamente o top do ranking europeu, mas deve recordar-se que os seus padrões de serviço são responsáveis pelo fim do glamour da aviação. Há, hoje, quem recorde com saudade esses tempos, ignorando que é a pressão dos “preços baixos” que pressiona a uniformização por baixo dos padrões da indústria. Preços que, em parte, são ilusórios, porque retirando do preço base algumas componentes de serviço o produto tornou-se mais opaco. Só a Ryanair beneficiou no último ano de 2400 milhões de euros, mais 19% que em 2017, de rubricas como reserva de lugar, bagagem, refeições, etc.

A realidade, com as LCC a crescer e as companhias tradicionais a estagnar, revelou que a normalização implicava a aproximação dos dois modelos, tendo os gigantes históricos (Lufthansa, Air France/KLM e British Airways/IAG), atuado em três movimentos: Redução de custos fixos e reestruturações; Crescimento orgânico; Criação das suas próprias low-cost.

As tarifas baixas deixaram de ser um monopólio das LCC. Mas a sua necessidade de manter a vantagem pressionou-as a manter a dinâmica anterior. Este movimento, associado ao aumento dos combustíveis, está na origem de uma enorme crise, que provocou verdadeira maré negra na aviação.

Só na Europa fecharam ultimamente: Air Norway (Noruega), Bural (Rússia), Azurair (Ucrânia), Monarch e City Wing (Reino Unido), Cobalt (Chipre), Fly Kiss (França), Thomas Cook (Bélgica), Belair (Suíça), See Air (Croácia), Fly Marche (Itália), Go! Aviation (Finlândia), Hoga Kusten Flyg (Suécia), Primera (Dinamarca), Skywork (Suíça), Small Planet (Lituânia e subsidiárias da Polónia e Alemanha), Air Berlin (Alemanha) e a sua subsidiária Niki. Já em 2019 foi a vez da Flybmi e Monarch (Reino Unido) Germania (Alemanha) e a referida WOW.

Este movimento deve amainar nos meses de Verão, aqueles que decidem a sorte da aviação europeia, mas é de temer que os meses seguintes venham a conhecer novas vítimas.

Mesmo as principais LCC experimentam dificuldades inéditas. A Ryanair anunciou uma quebra de 39% no resultado do ano; A easyjet apresentou um prejuízo de 315 milhões de euros e a Norwegian, cujas dificuldades são públicas, perdeu 155 milhões no primeiro trimestre.

Algumas das falências verificadas já este ano causaram, segundo Dionísio Pestana, dano direto ao turismo nacional: “… a falência da Germania, que para a Madeira significou 7 voos semanais cancelados, menos 1500 passageiros a voar da Alemanha” e “só a Monarch representava 15% do tráfego para o Algarve e para a Madeira”. Também em Portugal o turismo é hoje estratégico, sendo o desempenho da TAP, que representa 50% do tráfego dos aeroportos nacionais, decisivo, o que justifica uma relação estratégica entre todos os parceiros do setor.

Fernando Pinto resgatou a TAP à beira do abismo, revelando o óbvio: a localização da companhia era a sua maior vantagem, tendo a criação do seu hub permitido unir a Europa ao Brasil, captando receitas e turistas que a dimensão de Portugal não permitia.

Agora, é ainda cedo para fazer juízos de valor sobre a nova gestão da TAP mas é justo apontar dois pontos positivos: A “descoberta” dos Estados Unidos revelando que um outro “Brasil” e a abertura de novos destinos e crescimento da frota. Mas, para este ano é fundamental corrigir os problemas operacionais verificados em 2018.

A TAP é decisiva para Portugal; pelas receitas obtidas nos mercados internacionais (80% do total); pela promoção do país e dos seus produtos no exterior e pelos milhões de turistas que transporta. Mas também para os portugueses pela panóplia única de destinos que oferece.

PS. Portugal carece há muito da construção de um novo aeroporto, objetivo sempre adiado, agora para as calendas. O próprio plano B (Montijo) parece patinar, temendo-se uma situação de consequências incalculáveis. Há responsáveis? Ou é apenas o destino?

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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