Saúde dos presos esteve em risco com restrições das greves dos guardas

Num ano em que as queixas à provedora de Justiça atingiram um número recorde, os aumentos mais significativos notaram-se em questões relacionadas com os direitos dos reclusos e dos estrangeiros em Portugal.

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Nuno Ferreira Santos

O número de queixas apresentadas pelos reclusos em estabelecimentos prisionais de todo o país aumentou entre 2017 e 2018 e as razões para as denúncias centraram-se, em grande parte, no acesso a cuidados de saúde, nas medidas de segurança dentro da prisão e na fraca escolha de formas de ocupação – como actividades ou trabalho remunerado.

A questão enquadra-se na temática dos direitos, liberdades e garantias que, na globalidade, também reforçou a sua representação: passou de 1139 queixas em 2017 para 1454 em 2018. Dessas, 242 foram formuladas por reclusos, quando no ano anterior tinham sido apenas 144. O aumento das queixas esteve relacionado com as greves dos profissionais da guarda prisional em 2018 num universo já por si muito carenciado de meios humanos e materiais, observa a provedora de Justiça.

Uma especial atenção é dedicada à situação dos presos não apenas no relatório de 2018 da provedora de Justiça Maria Lúcia Amaral, que foi entregue esta quinta-feira no Parlamento, mas também no relatório do Mecanismo Nacional de Prevenção da Tortura, assumido pela provedora, no âmbito de compromissos internacionais assumidos por Portugal, desde 2013. 

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No relatório, a provedora declara que a população prisional foi quem mais sofreu com as greves dos guardas prisionais e estas marcaram “especialmente” o seu quotidiano e comprometeram os direitos dos reclusos: as idas ao médico ou ao tribunal deixaram de ser asseguradas, bem como saídas da cela para o pátio, ou as visitas e de acesso ao telefone.

Para além de comprometidos os tratamentos ou acompanhamento em unidade hospitalar dos reclusos, a provedora de Justiça salienta que as queixas especificas da saúde “incidiram essencialmente na dificuldade de acesso a cuidados médicos, na área clínica ou cirúrgica, bem como, na dificuldade de acesso a meios complementares de diagnóstico e terapêutica”.

As situações expostas em 2018 estiveram também relacionadas com doenças infecciosas ou doenças crónicas, como a diabetes, a asma ou a epilepsia. “No primeiro caso, em virtude de falhas em elevado número na condução ao exterior para consulta ou realização de meio complementar de diagnóstico ou terapêutica, causadas pelas greves decretadas, houve necessidade de se insistir pelo cumprimento mínimo do seguimento determinado para cada situação clínica e pela garantia da imprescindível continuidade na toma de medicação”, frisa a provedora no relatório.

"Apreensão” nas prisões

Já no relatório do Mecanismo Nacional de Prevenção da Tortura, resultante de dezenas de visitas a estabelecimentos prisionais sem pré-aviso, a provedora refere “situações que causam alguma apreensão” como aquelas que dizem respeito a presos especialmente vulneráveis a agressões e que por isso têm de ficar isolados. “Por vezes, tal separação tem consequências nefastas”, aponta no documento, antes de descrever um cenário com “celas em caves com condições desumanas, e menos horas fora das celas” além de um reduzido acesso ao recreio ou outras actividades. Também no que respeita a reclusos que deveriam estar em estabelecimento adequado a tratamento psiquiátrico e não estão, tal acontece por não se encontrar “vaga compatível”.

O forte crescimento do número de queixas relacionadas com o sistema prisional (em 70%) e a duplicação de situações susceptíveis de porem em causa o direito dos estrangeiros (passaram de 231 para 461) surgiram num ano em que a provedora de Justiça registou um número recorde de queixas – foram 48 mil solicitações em 2018. Foi “o maior número de queixas de que há memória em toda a história da instituição”, declarou Maria Lúcia Amaral, que ocupa o cargo desde 2017. 

Tal como nos anos anteriores mantêm-se os mesmos três ministérios como os mais visados nas queixas: Administração Interna, Finanças e Educação. Há, contudo, uma alteração da sua posição relativa face a 2017, com passagem para primeiro lugar do Ministério da Administração Interna. Em segundo lugar surge o Ministério das Finanças e, no terceiro, o Ministério da Educação.

No próprio relatório são avançadas várias hipóteses para explicar este aumento brusco no número de queixas apresentadas por estrangeiros em Portugal: uma delas é o facto de a lei ter mudado, fazendo desaparecer o carácter excepcional da concessão de autorização de residência e introduzindo prazos mais curtos do que os fixados pela anterior legislação. “Muitas queixas foram recebidas, justamente a propósito da dificuldade criada para o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) no atendimento oportuno de tais solicitações”, lê-se no documento.

Ainda sobre a entrada de estrangeiros em território nacional “aumentaram igualmente as queixas respeitantes a atrasos ou recusas na concessão de vistos, estando geralmente em causa o direito ao reagrupamento familiar”. com Inês Chaíça

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