Atraso nas pensões é “vexatório” e deixa pessoas em situações de “desespero”

No ano passado, a provedora de Justiça recebeu 923 queixas por atrasos nas pensões, mais do triplo das queixas recebidas em 2017. São “apelos lancinantes”, alerta Maria Lúcia Amaral.

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Maia Lúcia Amaral, provedora de Justiça, entregou o relatório anual a Ferro Rodrigues, presidente da Assembleia da República Rui Gaudêncio

O atraso na atribuição das pensões é “vexatório” e deixa as pessoas em situações de “desespero”​ e “privadas de qualquer rendimento por tempo indeterminado”, alerta a provedora de Justiça, Maria Lúcia Amaral, no relatório que entregou nesta quinta-feira ao presidente da Assembleia da República e onde dá conta de um aumento das queixas no ano passado

O problema não é novo, mas agravou-se em 2018 e continua a aumentar em 2019. Nas 923 queixas que recebeu no ano passado (mais do triplo das que foram recebidas em 2017), a provedora dá conta de relatos de “desespero” e de “angústia”. 

“São apelos lancinantes de pessoas que se vêem privadas de qualquer rendimento por tempo indeterminado ou obrigadas a continuar a trabalhar para além da idade legal da reforma ou a auferir pensões provisórias mínimas por longos períodos, ou que, sendo emigrantes, não conseguem receber as respectivas pensões nos países em que residem, por falta de o Centro Nacional de Pensões no envio atempado dos formulários regulamentares às instituições de segurança social desses países”, lê no documento.

Há ainda casos de pessoas a quem morreu um familiar cujo rendimento de trabalho era muitas vezes o único sustento do agregado “e que se vêem durante longos meses privados da prestação social compensatória da perda desse rendimento (pensão de sobrevivência), sobretudo quando estão em causa filhos menores ou filhos maiores estudantes”.

Tal como já havia prometido, Maria Lúcia Amaral deu um destaque particular ao tema dos atrasos nas pensões no relatório de 2018 e usou palavras duras para o fazer. “Vivenciar este tipo de situação num ano em que se comemorou tão merecida e profusamente o 70.º Aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos (…) é vexatório para a comunidade de cidadãos, a qual não pode deixar de ficar insegura e sem confiança num Estado cujos serviços não conseguem assegurar, em tempo útil, o elementar direito de um cidadão idoso à protecção social adequada: o direito à pensão por velhice”, lê-se numa das páginas do documento.

Maria Lúcia Amaral lembra ainda que a falta de recursos humanos “não pode servir de fundamento atendível para justificar durante anos o incumprimento dos deveres do Estado e/ou a violação, por parte deste, de direitos fundamentais do cidadão”. “Note-se que, desde 2014, o provedor de Justiça tem chamado a atenção para este problema, sem que o Estado tenha adoptado as medidas gestionárias adequadas a resolvê-lo”, acrescenta.

A provedora dá conta das intervenções que teve junto do Instituto da Segurança Social e da secretária de Estado da Segurança Social, Cláudia Joaquim, chamando a atenção “para a necessidade de serem adoptadas medidas e procedimentos para ultrapassar esta situação”. Até à data da elaboração do relatório não foi recebida qualquer resposta, mas já no decorrer de 2019 a secretária de Estado enviou uma carta a Maria Lúcia Amaral a dar conta das medidas que têm sido tomadas e, num debate parlamentar, o próprio primeiro-ministro António Costa garantiu que a situação no Centro Nacional de Pensões “ficaria regularizada”. 

Já nesta quinta-feira, o conselho de ministros aprovou um decreto-lei com medidas que visam mitigar os atrasos na atribuição das pensões. O diploma prevê a atribuição de pensões provisórias de sobrevivência e de invalidez a quem cumpra os requisitos para aceder a estes apoios, em vez de se cingirem a quem está em situação de carência económica ou esgotou o período máximo do subsídio de doença.

Ao todo, a provedora de Justiça recebeu 2854 relacionadas com a Segurança Social, um aumento de 39% face a 2017. Cerca um terço das queixas dizem respeito a atrasos na apreciação e decisão de requerimentos de pensões, mas o relatório também dá conta de um aumento das queixas relacionadas com a atribuição e o cálculo da prestação social para a inclusão (criada no final de 2017) e das pensões antecipadas (o regime sofreu várias alterações em 2017 e 2018, com a criação da reforma antecipada por longa carreira contributiva).

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