Jerónimo, orgulhoso da “geringonça”, admite que PS roubou os louros ao PCP

Líder do PCP diz que o partido “não está arrependido” por viabilizar o Governo PS e voltaria “a fazer o mesmo”. Critica os “agoirentos” e insiste em questionar se o povo quer “correr o risco de perder” o que se ganhou desde 2015. Volta-se já para as legislativas: o PCP apresenta listas na primeira quinzena de Junho.

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Jerónimo de Sousa LUSA/ANTÓNIO COTRIM

Um dia inteiro de reunião, que promete prolongar-se pela noite, mas a argumentação não evoluiu muito desde a noite de domingo. Para o PCP, a CDU perdeu (muitos) votos nestas europeias em comparação com as de 2014 porque o cenário de há cinco anos era de grande contestação à troika, e porque agora o PS “capitalizou” junto do eleitorado com políticas em que os comunistas foram fundamentais, admitiu Jerónimo de Sousa em conferência de imprensa, num intervalo da reunião do Comité Central do PCP.

O órgão máximo entre congressos analisou os resultados eleitorais de domingo. A CDU, que reúne o PCP, o PEV e a ID perdeu no domingo um dos três eurodeputados, passou de terceira para quarta força política (foi ultrapassada pelo Bloco) com 6,88%, e viu fugirem quase metade dos votos que registara em 2014 - ficou-se pelos 228.156. Foi o pior resultado eleitoral de sempre em europeias da coligação à esquerda. “É um resultado negativo”, admitiu o líder comunista naquela noite.

Dois dias depois, Jerónimo de Sousa não saiu daquele registo. Apenas acrescentou outra razão para o mau resultado, quando o PÚBLICO insistiu na questão dos factores que levaram ao desaire: “A campanha que dura já há oito meses, desferida por centros de decisão, que visaram, através da infâmia e da mentira, [atacar] a nossa honestidade, a nossa competência, a nossa forma de estarmos na política. Isso, naturalmente, fez mossa. Em muitos casos houve suspeição - e uma suspeição é pior do que uma acusação.”

Na cabeça, Jerónimo tinha as notícias sobre as relações de empresas de militantes do PCP com autarquias, incluindo do seu genro com a Câmara de Loures. Elas não matam mas moem, poderia dizer o líder comunista - se os assuntos não são levantados pelos militantes perante os dirigentes, eles são falados nos muitos eventos das estruturas locais.

A avaliar pelas sucessivas perguntas sem resposta de Jerónimo sobre o essencial das “dezenas e dezenas” - descrição do próprio - de intervenções dos camaradas na reunião, o que se passa no Comité Central, fica mesmo no Comité Central. O partido vai demorar a digerir a derrota eleitoral, e a “reflexão profunda” tem que ser feita também além da porta da Soeiro Pereira Gomes. “Vamos reunir com o partido, realizar plenários pelo colectivo partidário.” A análise será feita ao longo da pirâmide.

Não quis responder se houve quem se pronunciasse contra o apoio ao Governo (como acontecera na reunião depois da outra hecatombe, há dois anos) e que tenha visto nessa opção a explicação para esta espécie de abraço de urso em que o PCP já se viu enredado nas autárquicas de 2017 e de que volta agora a sofrer.

Para fora passa apenas o que a direcção do partido pretende e, quando questionado sobre se, perante os maus resultados das duas eleições, a viabilização do Governo PS foi um erro para o PCP, Jerónimo nem pestanejou. “Há uma coisa de que nós estamos profundamente convictos: do acerto da nossa posição, que foi não perder nenhuma oportunidade para na Assembleia da República procurássemos repor direitos e rendimentos.”

“Não estamos nem arrependidos. Voltaríamos a fazer o mesmo para que prevalecessem direitos que eram aspirações profundas dos trabalhadores e do povo”, acrescentou. Mais à frente, na conferência de imprensa, haveria de admitir: “É uma experiência que nos orgulha.”

Perante a insistência, disse que a leitura dos resultados “deve contar com vários factores”, mas não se alargou sobre que outros podem ser. “Admito que [o PS] possa ter capitalizado” com os avanços conseguidos por “persistência do PCP”, já que “naturalmente, é o Governo que determina e publica o resultado”. Ou seja, Jerónimo de Sousa consente a ideia de que boa parte do seu eleitorado tenha preferido ir à fonte. Mas quando questionado pelo PÚBLICO sobre se a aproximação ao PS o fez perder a essência de partido de protesto e reivindicação, preferiu apenas dizer que com o anterior Governo o PCP “foi muitas vezes o partido do protesto que vinha das empresas e dos trabalhadores”, que foi “uma oposição forte e combativa”.

Na declaração que trazia escrita, Jerónimo disse por quatro vezes a expressão “andar para trás”, sempre para avisar que é isso a que o país se arrisca perante um cenário em que dá mais força aos socialistas. “O que é preciso é avançar e não andar para trás”, vincou, tal como tantas vezes se ouviu na campanha. “Os resultados de domingo devem constituir um sinal de alerta para todos quantos têm nas suas mãos o poder de decidir se querem, com o reforço da CDU, fazer avançar o país e as suas vias, ou se querem correr o risco de perder o que se conquistou em direitos, salários e pensões de reforma.”

Apesar de tudo, o PCP prefere a fuga para a frente. “Desenganem-se os agoirentos do costume" - o PCP e a CDU não vergam, parece querer dizer. Jerónimo não vê razão - ou pelo menos não o admite - para mudar a estratégia ou a mensagem que tem tentado passar para o eleitorado (de que os avanços se devem ao seu partido e que o PS sozinho não faria nada disto). Atira-se já para as legislativas: o partido vai apresentar as listas distritais já na próxima semana ou na seguinte. Um divórcio dos Verdes para o PCP ir a votos sozinhos e tentar ganhar corpo está fora de causa. E um casamento com o PS também. Se Costa precisar do PCP para viabilizar o Governo, a primeira pergunta dos comunistas é “apoio para quê? Para que política? Para aprovar que medidas? Há quem olhe para o poder com ambição” - mas não os comunistas, garante.

O secretário-geral comunista diz que “decalcar” as eleições europeias para as legislativas é um “erro de avaliação” e recusa comparações directas. Por isso, o PCP “continua de corpo inteiro” para contribuir na Assembleia da República, que “ainda não fechou!” - e há muito por fazer ainda, avisa: alterar a lei laboral e as leis de bases da saúde e da habitação, por exemplo. O código de trabalho será mesmo a grande batalha entre o PCP e o PS nos próximos dois meses. 

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