PCP filho bastardo do Governo? Jerónimo prefere falar pela positiva e não poupa elogios a Ferreira

Líder do PCP admite que o resultado histórico de 2014, de 12,68%, foi conseguido numa “conjuntura diferente”, com o país sobre o memorando da troika – que facilitava mais o voto na oposição de esquerda.

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LUSA/RUI MINDERICO

A imagem foi lançada na noite de quinta-feira pelo presidente do PSD, que disse que ao criticar o Bloco e o PCP, Costa está a “tentar pôr a ‘geringonça’ na roda dos enjeitados”, tratando-os como filhos “bastardos”. Conhecendo-se a queda de Jerónimo de Sousa para as expressões populares, adivinhava-se uma resposta a Rui Rio à altura. Nada disso, o líder do PCP seguiu nesta sexta-feira de manhã a filosofia que o cabeça de lista João Ferreira aplicou na campanha e desvalorizou o epíteto.

“Independentemente da elegância - ou falta dela - da expressão, percebemos o desabafo e o estado de alma do PSD. De qualquer forma, não são expressões dessas que dignificam a política”, disse Jerónimo de Sousa aos jornalistas durante uma breve paragem a meio do desfile que fez com boa parte dos candidatos da CDU ao Parlamento Europeu, entre a câmara municipal e o largo do mercado, no Barreiro. A CDU perdeu para o PS este bastião comunista – o mais pequeno concelho do distrito de Setúbal em termos de área mas dos maiores em eleitores - nas últimas legislativas por um vereador (tem agora quatro).

Jerónimo diz preferir uma campanha eleitoral onde há “confronto de ideias, onde há diferenças e divergências”. “Nós preferimos falar pela positiva, falar aos portugueses do que está em causa, da importância destas eleições. (…) Que fique com a expressão quem é.”

Desafiado a fazer uma avaliação de João Ferreira, o secretário-geral do PCP admitiu poder “parecer suspeito” e disse ter sido uma “campanha excepcional em termos de esclarecimento e posicionamento” sobre as opiniões da CDU acerca dos vários temas. E arrisca uma nota: “Uma campanha de 20 valores” – o que se estaria à espera?

Tanto Jerónimo de Sousa como João Ferreira têm sido exímios a fugir a uma resposta directa sobre as expectativas ou objectivos definidos pelo partido para domingo. Vincam sempre, seja aos jornalistas ou nas intervenções nos comícios, que o resultado “ainda está em construção”. Questionado sobre se é difícil repetir no domingo o resultado histórico de 12,68% obtido em 2014, com a subida de dois para três eurodeputados, o líder do PCP não escondeu que o ponto de partida e a motivação geral do país são diferentes. Isso, nitidamente, poderá jogar contra a CDU.

“É evidente que as conjunturas são diferentes. Nas eleições anteriores tínhamos omnipresente e omnipotente a troika, o pacto de agressão, o povo fustigado pela violência da agressão das instituições da União Europeia, FMI e BCE, num quadro, de facto, diferente”, reconheceu Jerónimo. Embora ressalve que apesar da mudança política no país, “as grandes questões subsistem em termos da União Europeia”, onde “continua uma crise instalada”.

“Não querendo comparar o que não é comparável, aquilo que sentimos é que fizemos uma bela campanha. Mas não é uma questão arrumada, ainda há mais votos para ganhar.”

Questionado pelo PÚBLICO sobre se a CDU e o PCP está bem entregue com a geração de João Ferreira, que sucedeu a Ilda Figueiredo como cabeça de lista às europeias de 2014 e conseguiu precisamente uma subida significativa da votação, Jerónimo não teve dúvidas. “Sim, claro, com esta, e com a que há-de vir, e com a que está, cadeando a experiência com a juventude. Fizemos uma boa opção neste quadro de jovens que vêm ao partido e à CDU, apostamos muito neles e sentimo-nos profundamente satisfeitos pela opção”, disse o líder comunista, ombro a ombro com João Ferreira.

Mas quando se lhe pergunta se vê ao seu lado um possível futuro secretário-geral do PCP, Jerónimo de Sousa ri-se, atira a cabeça para o lado para rematar a conversa: “A questão não está colocada, a questão não está colocada.”

O moscatel e os bolinhos da praxe nas arcadas

Já não sendo os “donos” da câmara - perdida há dois anos para os socialistas -, os comunistas continuam a marcar o ponto de encontro das arruadas no Barreiro à porta do edifício antigo de dois andares, numa das principais ruas da zona antiga desta cidade da cintura industrial do Tejo. Nesta sexta-feira de manhã, ao contrário de algumas arruadas destas duas semanas, a PSP veio ajudar a controlar o trânsito.

A comitiva ruidosa, encabeçada por dois bombos e uma gaita-de-foles tocados por duas jovens e um jovem, lá seguiu, rua abaixo, curva à esquerda, rumo ao largo junto ao mercado municipal. Jerónimo e Ferreira seguiram lado a lado, rodeados pelo deputado ecologista José Luís Ferreira e pelos candidatos da CDU Sandra Pereira (nº 2 da lista), João Pimenta Lopes (3), Mariana Silva (4), Rui Igino (6), Alma Rivera (9), João Geraldes (12), Zoraima Prado (16) e Viviana Nunes (22). Os deputados Bruno Dias e Francisco Lopes seguiam atrás. 

Desta vez, foi mais um desfile do que uma arruada. Não houve entradas nas lojas nem distribuição de panfletos, embora a meio do percurso se visse Jerónimo fazer o gesto com a mão a perguntar se ia a algum dos lados da rua. Mas houve beijos aos dois personagens principais, que foram parados aqui e ali por militantes que os queriam cumprimentar.

E houve o tradicional moscatel de Setúbal e bolinhos, que o casal Margarida e Mariano Feio não descuram nos cuidados ao camarada Jerónimo. Debaixo das arcadas de um prédio, como sempre, lá está a banquinha com o Avante! e alguns livros sobre comunismo, a caixa das miniaturas de bolso compradas numa pastelaria local, a garrafinha de vinho e os copinhos de plástico.

Ferreira escolhe um bolinho de amêndoa, Jerónimo um mini-pastel de nata. Enchem-se os copinhos de moscatel e há quem grite “um brinde à força da CDU”. A confusão é muita, entre câmaras de televisão, fotógrafos e jornalistas, e apoiantes que estendem a mão livre (a outra segura a bandeira) para o doce ou o vinho. “Calma, calma”, pede Jerónimo. “É sempre uma alegria tê-los aqui”, diz Margarida, a estender a caixa de papelão à direita e à esquerda.

Já no largo do mercado, João Ferreira e Jerónimo de Sousa fizeram um derradeiro apelo à mobilização e ao trabalho de convencimento que, dizem, ainda é preciso fazer. Porque os comunistas “não estão habituados a tarefas fáceis”.

O candidato fez um resumo das propostas em que andou a insistir nestes dias e das respostas que não teve aos desafios que lançou a PS, PSD e CDS. O líder comunista falou do que ainda há para fazer, como na lei laboral e no aumento dos salários. “Tendo mais força, temos mais voz para determinar os andamentos do futuro próximo, mesmo no plano nacional para não voltarmos ao tempo da troika”, avisou

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