O Congresso “toca para a frente” o Brasil que Bolsonaro não consegue governar

Manifestação convocada por apoiantes do Presidente afasta até alguns grupos que ajudaram a elegê-lo. Congresso assume cada vez mais a direcção das políticas.

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Pela primeira vez, esta semana, a desaprovação ao Governo de Bolsonaro superou a aprovação ADRIANO MACHADO / Reuters

Que o Governo de Jair Bolsonaro praticamente não gozou do período de “lua-de-mel”, habitual para novos líderes assim que entram em funções, já era notório. De crise em crise, ministros foram sendo substituídos, escândalos tornaram-se públicos, a economia manteve-se em marcha lenta, e nada de palpável parece ter sido alcançado pelo ex-capitão do Exército que prometeu virar o Brasil do avesso. Mas o vazio deixado pela incapacidade do Governo parece ter dado um poder inédito ao Congresso, que tenta “tocar o país para a frente”.

Bolsonaro começou a semana por dizer que “o grande problema do Brasil” é a classe política, ignorando os seus 27 anos como deputado federal. Antes, o país tinha passado o fim-de-semana a discutir as várias interpretações a dar a uma mensagem que o próprio Presidente partilhou em grupos de WhatsApp, em que se falava de um “país ingovernável”. Depressa apareceram as comparações com a carta que o antigo Presidente Jânio Quadros, também eleito com a promessa de lutar contra a classe política estabelecida, divulgou antes de se demitir, escassos oito meses depois de tomar posse.

A convicção dominante entre Bolsonaro e o seu círculo mais próximo é de que o programa pelo qual foi eleito está a ser boicotado pelos poderes instituídos, como o Congresso, o Supremo Tribunal Federal, e a imprensa – que temem perder os seus privilégios –, e que por isso o país caiu numa crise institucional. É este o raciocínio que preside às manifestações convocadas para o próximo domingo de apoio a Bolsonaro – e nas quais o próprio terá ponderado participar.

Porém, esta tentativa de resgate das mobilizações maciças da campanha eleitoral poderá sair cara ao Presidente. Em vez de mostrar uma frente unida, as manifestações estão a criar divergências sérias entre os vários grupos responsáveis pela vitória de Bolsonaro. Organizações como o Movimento Brasil Livre (MBL), que se notabilizou nos protestos a favor do impeachment de Dilma Rousseff, demarcaram-se das manifestações, criticando o seu espírito “anti-liberal”. O mesmo fez a deputada estadual do Partido Social Liberal (PSL, de Bolsonaro), Janaina Paschoal, a advogada que apresentou o pedido de impeachment de Dilma Rousseff.

“Manifestações com o aval do Governo são perigosas”, diz ao PÚBLICO o politólogo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Jairo Nicolau, acrescentando que “o risco de se sair a perder com um fracasso é maior do que ganhar alguma coisa com o sucesso”. O analista nota uma “confusão de papéis” entre a campanha e a governação.

Impopularidade crescente

Há um ano, como candidato em ascensão, Bolsonaro era recebido em êxtase nos aeroportos do país. Hoje, a sua popularidade não pára de cair. Um inquérito da consultora Atlas Político, citado pelo El País Brasil, mostrou esta semana que pela primeira vez a taxa de desaprovação ao Governo supera o número dos que fazem uma avaliação positiva. O congelamento do financiamento público das universidades federais, as suspeitas sobre Flávio Bolsonaro, filho do Presidente, no caso que envolve transacções de dinheiro irregulares, e os maus índices económicos, são algumas das razões apresentadas.

Enquanto o Governo se afunda na paralisia, é na Câmara dos Deputados que reside a iniciativa política. Esta semana, terão de ser aprovadas várias medidas provisórias – legislação com prazo de aprovação –, entre as quais aquela que estabelece a organização do executivo. No entanto, questões relevantes para o Governo, tais como a passagem do Coaf (um órgão de fiscalização de dinheiros públicos) para o Ministério da Justiça e a transferência da competência para demarcar terras indígenas para a Agricultura, arriscam-se a ficar pelo caminho.

Ou seja, um tema que diz respeito ao funcionamento do Governo foi decidido inteiramente pelo órgão legislativo. “Nada disto foi ponderado ou deliberado, mas no vazio do executivo, o legislativo decidiu agir para não levar o país ao colapso total”, diz Nicolau. O grande desafio em termos de governação continua a ser a aprovação da reforma do sistema de pensões, “que exige do Governo uma enorme mobilização parlamentar”, lembra o professor da UFRJ.

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