Os eleitores não são estúpidos

O resultado é o empobrecimento da política por uma campanha abaixo de qualquer qualidade.

Quem puxou as legislativas para dentro das europeias foi o primeiro-ministro, António Costa, ao apresentar a lista de candidatos do PS, em Março, e assumir o acto eleitoral de 26 de Maio como um teste à sua governação. Mas desde então o desvario tem sido completo e os restantes partidos, principalmente o PSD e o CDS, fizeram-lhe a vontade, transformando a pré-campanha e a campanha numa primeira volta das eleições de 6 de Outubro.

O resultado é o empobrecimento da política por uma campanha abaixo de qualquer qualidade e em que as questões europeias têm passado para a última linha, sendo privilegiada a politiquice de arremesso, os ataques a resvalar para a provocação e o insulto, o aproveitamento de questões colaterais e da nebulosa de casos e assuntos da esfera nacional.

É certo que a complexidade das questões europeias é grande e não é fácil explicá-las do ponto de vista do interesse público, bem como às propostas para a sua solução que os partidos defendem, como salientou em editorial o director do PÚBLICO, Manuel Carvalho.

É igualmente verdade lembrar que em Portugal as campanhas das europeias nunca foram bacteriologicamente puras, no sentido de apenas se discutirem as questões europeias. Sobretudo em anos em que se realizam europeias antes do Verão e legislativas depois (1999 e 2009) ou quando as duas eleições foram conjuntas (1987).

Mas não se percebe o que deu ao PSD e ao CDS para fazerem uma campanha de ataque cerrado ao Governo, esquecendo-se de apresentar as soluções para a Europa, para mais quando integram uma das principais famílias europeias, o PPE, maioritária no Parlamento Europeu no mandato que agora termina.

Em relação ao PSD, é preciso dizer de forma clara que há limites para a demagogia e para o populismo num partido com a sua história e com a responsabilidade estrutural na democracia portuguesa. Aliás, é surpreendente ver Paulo Rangel na sua terceira campanha para o Parlamento Europeu. Parece outra pessoa. Onde está o político sensato e preparado que sabe falar das questões complexas da Europa de forma entendível pelos eleitores? Agora, quando o faz, por exemplo em relação aos fundos, é numa perspectiva de ser governo. O seu tempo é o 6 de Outubro. Por que razão terá um sénior do Parlamento Europeu decidido entrar no jogo de populismo? Paulo Rangel começou o ano a fazer aproveitamento demagógico da situação dos portugueses e lusodescendentes na Venezuela na fronteira daquele país. Depois, transformou em política de casos e introduziu na pré-campanha uma questão séria e estruturante da democracia, as ligações familiares na governação e o nepotismo que podem representar. E acabou a sobrevoar de forma despudorada os incêndios e as suas vítimas numa acção de campanha.

A demagogia e o populismo têm sido a tónica dominante também na campanha do CDS. Com Nuno Melo a contrastar agora com o que foi a sua candidatura de há cinco anos e a adoptar um tom e um discurso de provocação pura quando se refere ao cabeça de lista do PS, Pedro Marques, ou ao primeiro-ministro, António Costa, e a recorrer a tácticas de política de casos. Tentou, por exemplo, explorar eleitoralmente a ligação de António Costa a José Sócrates e a Joe Berardo, cometendo em relação a este último o erro grave de se enganar na fundação do empresário que cometeu eventuais irregularidades, com uma outra, também sua, destinada à sua colecção de arte, essa, sim, que assinou um contrato com o Estado, de que foi co-subscritor António Costa, então ministro da Administração Interna. Isto para já não falar do branqueamento do Vox, partido de extrema-direita espanhol, que Melo resolveu defender que não o é. Será pelo medo de que a coligação Basta lhe roube eleitorado?

Quanto ao PS, não será preciso repetir as responsabilidades do seu líder e primeiro-ministro ao querer referendar o seu Governo a 26 de Maio. Se é certo que o cabeça de lista, Pedro Marques, tem abordado questões europeias e as propostas do PS — ascensão da extrema-direita, coesão social, fundos estruturais e questão tributária na Europa, na vertente da harmonização fiscal e na da nova taxação sobre empresas que operam no digital —, não se tem coibido de também entrar no jogo dos ataques aos adversários, sobretudo a Rangel. Além de revelar uma imensa e surpreendente falta de capacidade de comunicação política.

É obrigatório reconhecer que o PCP e o BE têm tentado falar de questões europeias, mas ambos não têm perdido a oportunidade de lembrar a importância da sua influência para a obra feita pelo Governo. E o medir de forças do PCP e BE com o PS não se tem verificado apenas na marcação de terreno para as legislativas. Marisa Matias não resistiu mesmo a meter a Lei de Bases da Saúde na campanha.

O resultado só será conhecido na noite de 26 de Maio, mas uma coisa parece certa: o crescimento da abstenção, que já foi de 66,16% em 2014. Os eleitores não são estúpidos.

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