A Espanha das nações

As últimas eleições gerais espanholas, que ocorreram em abril passado, mostram um espectro político cada vez mais povoado por forças nacionalistas oriundas de todas as famílias políticas.

Ao contrário de alguns casos singulares na Europa, como o Estado português, a Espanha não é um Estado-Nação. O país a que hoje chamamos de Espanha é uma monarquia constitucional que agrega várias nações e que começou a ser designado de Espanha sobretudo a partir do século XV, aquando do casamento de Isabel de Castela com Fernando de Aragão.  

Contudo, o termo Espanha e os vários povos que habitam no atual território têm raízes ainda mais antigas. O nome deriva do termo Hispânia, designação que os romanos davam à Península Ibérica e que tem um berço nebuloso, não se sabendo ao certo se a sua origem é fenícia, celtibera ou basca.   

Vários povos habitaram e dominaram o território, contribuindo para a diversidade multiétnica e multicultural espanhola contemporânea. Destacam-se: os inevitáveis romanos que romanizaram a população autóctone de matriz celtibera; os visigodos que fizeram de Toledo a capital do seu reino; e os árabes e berberes que, no apogeu do califado omíada, dominavam praticamente toda a península ibérica. Outros povos contribuíram mais ou menos para a diversidade espanhola, nomeadamente os francos na Catalunha, os povos das ex-colónias nos grandes centros urbanos, ou os judeus em variadas geografias de Espanha.  

Após a estabilização da reconquista cristã, deu-se a união das coroas de Castela e Aragão – momento fundacional da Espanha moderna. Nos séculos que se seguiram a recém-criada Espanha iniciou a sua conquista imperial pelo globo com as dinastias dos Habsburgs e dos Bourbons ao leme.  

Os séculos passaram e, apesar do domínio de Espanha enquanto entidade política agregadora, as diferentes nações ibéricas nunca deixaram de existir. Já no século XIX os nacionalismos basco e catalão ressurgiram, enquadrados numa era em que o romantismo se propagava pela Europa e despertava os adormecidos movimentos nacionalistas. 

Após a ditadura franquista, que procurou “espanholizar” todas as regiões, e a integração na União Europeia, eis que as nações regressam ao centro da política espanhola de forma cada vez mais audível. 

As últimas eleições gerais espanholas, que ocorreram em abril passado, mostram um espectro político cada vez mais povoado por forças nacionalistas oriundas de todas as famílias políticas (desde liberais, conservadores, socialistas, sociais-democratas, democratas cristãos até populistas). O nacionalismo basco, representado pelo PNV (Partido Nacionalista Basco) e pelo EH Bildu, totalizou cerca de 2,5% de votos. Na Catalunha os partidos nacionalistas totalizaram 8,2%, com o ERC do prisioneiro Oriol Junqueras a liderar. E, a encabeçar os nacionalistas espanhóis, o Vox irrompeu com 10% de votos, obtendo a confiança de 2 milhões e 600 mil eleitores.  

O partido de Santiago Abascal, que muitos analistas consideram ser uma surpresa, enquadra-se num contexto do ressurgimento global do nacionalismo que, em uníssono, ganha cada vez mais base eleitoral agitando as bandeiras do combate à imigração desregrada, à insegurança, à ideologia de género, à corrupção e a decadência da política tradicional. No caso particular espanhol existe ainda outro elemento fundamental – a oposição aos outros nacionalismos ibéricos, que colocam em causa a integridade do atual Estado espanhol. Neste sentido criaram-se as condições perfeitas para a tempestade Vox se formar. Steve Bannon, o estratega que trabalhou na eleição de Donald Trump e no Brexit, prestou também consultoria ao Vox. O resultado foi estrondoso, o pequeno partido que há três anos teve uma votação de 0,2% rapidamente tornou-se numa importante força política sem precisar sequer de ir a debates televisivos.  

Tal como acontece no resto da Europa, parece certo que a polarização e o nacionalismo chegaram para ficar na política espanhola; os eleitores tendem a dar cada vez menos maiorias absolutas aos partidos tradicionais que habitam o centro-esquerda e centro-direita, alargando as portas da democracia a outros partidos.  

Porém, a Espanha difere da maioria dos outros países europeus pelo facto das várias forças nacionalistas terem interesses divergentes, resultado da existência de diferentes nações com movimentos separatistas maduros. No curto prazo antevêem-se inevitáveis acordos de governação da esquerda, liderada pelo PSOE, com forças nacionalistas catalãs e bascas; e coligações à direita que incluam o Vox em exercícios de poder do PP e Cidadãos. No médio prazo a disputa de poder entre os nacionalistas conflituantes, cada vez mais numerosos no parlamento, poderá atingir temperaturas perigosamente altas num país que há 80 anos viveu o fogo da guerra civil.  

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