BE não abre mão disto: transportes públicos para todo o país e “salvar o SNS”

Catarina Martins acusou o PS de ter sido “bastante permeável” às “pressões dos grupos económicos privados da saúde” nas negociações para a Lei de Bases da Saúde.

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Marisa Matias anda pelo país em campanha António Cotrim/Lusa

A manhã está a começar em Vila Nova de Baronia (concelho do Alvito) quando os bloquistas entram no comboio para encher uma pacata carruagem que segue até Beja. A coordenadora Catarina Martins, ao lado da cabeça de lista às eleições europeias, Marisa Matias, até vai pedir desculpa a um dos passageiros, subitamente desassossegado por tanto aparato. Diz-lhe que a acção tem como objectivo alertar para a importância do investimento na ferrovia. Joaquim Barrocas, de 87 anos, não está incomodado, também ele quer ver esse objectivo cumprido.

No fim da viagem, em declarações aos jornalistas, a eurodeputada Marisa Matias não poupa nas críticas ao Plano Juncker: “O plano de investimentos europeu tem sido anunciado como uma enorme oportunidade de investimento no país, [mas] não estamos a falar de investimento na linha, por exemplo, dos fundos de coesão ou dos estruturais, mas de empréstimo. Conta para a dívida. Tem em conta critérios como favorecer as parcerias público-privadas e só financiar aquilo que, na definição da própria Comissão Europeia, possa ter rentabilidade.” A candidata acrescenta que foi por essa razão que a Comissão Europeia chumbou duas vezes a proposta de alargamento da linha, entre Aveiro, Viseu e Mangualdade.

A necessidade de investimento na ferrovia e a defesa dos transportes públicos, acessíveis a todo o país, não é, porém, o único tema a marcar o início do segundo dia de campanha oficial do Bloco de Esquerda. A saúde, em concreto a indefinição em torno da lei de bases, chega pela voz da coordenadora do partido que volta a lamentar a postura do PS: “Tivemos meses de negociação. Chegámos a um acordo. Sabemos que as pressões dos grupos privados de saúde têm sido muitas. O grupo parlamentar do PS, como é público, foi bastante permeável a essas pressões dos grupos económicos privados da saúde, mas, pela nossa parte, mantemos o apelo para que façamos aquilo que acordámos: salvar o Serviço Nacional de Saúde (SNS).”

Catarina Martins pede “coragem” e lamenta que matérias sensíveis como as do “financiamento do SNS” e o “papel dos privados” estejam a ser “sucessivamente adiadas”, “não por vontade do BE, mas de outros partidos”. “Os outros partidos têm preferido adiar a votação dos artigos de especialidade que dizem respeito a esta matéria específica de saber se nós em Portugal devemos escolher para a saúde o mesmo que se faz, por exemplo, na educação que é: aos privados o que é dos privados, ao Estado o que é do Estado”, insiste.

A coordenadora do partido garante: “O BE é muito claro nos seus compromissos, fez um acordo, manter-se-á fiel ao acordo até ao fim, não por teimosia, mas porque a saúde é um dos bens mais essenciais à população”. E, embora realçando que seria importante que tal ficasse fixado na lei de bases, por esta assinalar uma mudança de paradigma, Catarina Martins faz questão de salientar que o fim das taxas moderadoras nos cuidados primários e nos cuidados prescritos por um profissional do SNS é uma medida que “não precisa” de uma lei de bases”, que “pode ser tomada em qualquer Orçamento do Estado”.

A também deputada lamenta ainda o que considera ser outro recuo do PS numa outra lei de bases, a da Habitação, no que toca à possibilidade de se requisitarem casas vazias a proprietários: “Temos visto que o PS, agora no final deste mandato, em matérias em que parecia sólido, tem vindo a recuar. No caso da Lei de Bases da Habitação, o PS não está sequer a recuar em relação a um acordo que tenha feito com o BE. Está a recuar em relação ao que o próprio PS apresentou e a deputada Helena Roseta apresentou. Achamos que isso é pouco aconselhável, mas estaremos no Parlamento, como todos os dias, para encontrar as melhores soluções”, diz.

Uma campanha de transportes

Catarina Martins, Marisa Matias e o número dois da lista às europeias, José Gusmão, estão juntos na defesa da necessidade de mais e melhores serviços públicos para todo o país. Na carruagem, conversam entre si e com membros da comissão distrital do partido de Beja. Falam da necessidade de investir na linha, dos horários desadequados à vida das pessoas, da impossibilidade de se fazer uma viagem directa de Beja até ao Algarve de comboio.

Lá dentro, de um lado as janelas vão mostrando a paisagem alentejana; do outro os graffitis nos vidros tapam a planície. “Para irmos de Beja ao Algarve temos de ir quase a Lisboa”, lamenta Marisa Matias. A brincar, mas com uma mensagem séria, Catarina Martins, atira: “A Marisa queria fazer a campanha na ferrovia, mas não dava.” A eurodeputada alinha na metáfora: “Vai haver um dia em que vamos conseguir fazer a campanha toda de transportes [públicos]!”. A ideia que quer transmitir é simples: a rede de transportes tem de servir o país inteiro. Mais tarde, já à saída do comboio, haveria de reconhecer que ainda “há um país a duas velocidades”, que é preciso “investimento em todo o país e não apenas numa parte” e que as verbas do Plano Juncker nunca chegam ao interior.

É esta também a ideia que a candidata, que tem vida em Bruxelas e é da pequena aldeia de Alcouce (Condeixa-a-Nova), tem tentado passar nesta campanha: a de que o que se passa no Parlamento Europeu têm impacto na vida das pessoas de Vila Nova de Baronia. “A ferrovia é o que nos permite ligar o litoral ao interior, o interior e o país inteiro à Europa e todos nós ao planeta, porque é fundamental para o combate às alterações climáticas.”

Em vez de planos de investimento como o Juncker, “cheio de truques”, Marisa Matias defende “políticas de coesão” e “investimentos que avaliem o impacto nas alterações climáticas” e que fiquem fora do cálculo do défice, se forem propostas ambientalmente sustentáveis. E lembra que não é só a direita no Parlamento Europeu que tem promovido planos de investimento que não servem o país, também os governos de cada país têm uma “responsabilidade” quando os aceitam com todas as “condicionantes impostas por Bruxelas”.

Jorge Rocha é um dos passageiros na viagem entre Vila Nova da Baronia e Beja. Levanta-se e mete conversa com os bloquistas. Concorda com a necessidade de se apostar mais nas ligações de comboio e lamenta que “agora toda a gente” tenha “de ter um carro”. Diz ser preciso fazer, “pelo menos”, uma “campanha de sensibilização”. Catarina Martins acena com a cabeça: “Cá estamos”, garante-lhe.

Ainda à margem da iniciativa, e quando questionada pelos jornalistas sobre as declarações que o Presidente da República fez nesta segunda-feira sobre a crise política, Catarina Martins diz ter concordado com as palavras de Marcelo: “O sr. Presidente da República fez o que tinha a fazer e explicou bem: só falaria se houvesse uma crise”.

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