Identificada região cerebral que permite ver o que nos rodeia

Na viagem de informação desde os olhos até ao cérebro há uma área no córtex cerebral que detecta a geometria e os limites dos locais onde estamos.

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Há uma área no cérebro que detecta a geometria de um local, mas não descodifica o seu aspecto KAROLINA HELLBERG/ J. TIAINEN

Imagine que está a entrar no seu quarto. Assim que abre a porta vê as paredes, o chão e o tecto dessa divisão da casa e tem uma noção da geometria desse lugar. Tudo isso acontece quase sem se aperceber – em alguns milissegundos. Mas o que nos permite percepcionar esse espaço de forma tão rápida? Agora, uma equipa internacional de neurocientistas identificou uma área do cérebro que codifica os limites espaciais de um local, o que contribuirá para que tenhamos noção do espaço que nos rodeia e nos orientemos sem esbarrarmos em nada. Essa região chama-se “área do lugar occipital” (OPA, na sigla em inglês) e situa-se no córtex.

Para percepcionarmos o ambiente que nos envolve, temos um sistema visual que funciona por fases. Primeiro, através da retina, detectamos elementos visuais simples. Depois, a informação visual passa da retina para o tálamo, o portal de entrada no cérebro dos estímulos sensoriais. Por fim, o tálamo transmite a informação ao córtex, onde se detectam formas mais complexas.

no córtex, as informações visuais começam por ser analisadas no córtex visual primário e acabam por chegar ao córtex associativo. Mas, no meio dessa viagem, há áreas intermédias que têm um papel determinante na nossa percepção do espaço. É o caso da área do lugar para-hipocampal (PPA) e da área do lugar occipital.

“Estudos anteriores já tinham sugerido que a OPA poderia ser crucial a detectar sinais visuais de navegabilidade importantes, especialmente os limites [do espaço]. Mas não se tinha determinado como representa a geometria de um local”, explica ao PÚBLICO Linda Henriksson, neurocientista da Universidade de Aalto (na Finlândia) e primeira autora do artigo científico publicado esta segunda-feira na revista Neuron.

Por sua vez, Nikolaus Kriegeskorte, da Universidade de Columbia (EUA) e também autor do artigo, acrescenta num comunicado da sua instituição que já se sabia que os neurónios da OPA codificavam os locais – não apenas objectos –, mas não se tinha percebido que aspectos dos espaços esses neurónios codificavam.

Para desvendar esse mistério, a equipa pediu a 22 voluntários entre os 19 e os 49 anos que observassem imagens de um local com cinco elementos: três paredes, um tecto e um chão. Depois, ao longo da experiência, a combinação desses cinco elementos foi mudando – ora se removia uma parede, ora se tirava o tecto. Os voluntários fizeram estas observações durante uma ressonância magnética funcional (fMRI, na sigla em inglês) ao cérebro, que analisa alterações nos níveis de oxigénio no sangue, e uma magnetoencefalografia (MEG), que mede os campos magnéticos associados à actividade eléctrica cerebral.

“Ao alterar metodicamente as imagens que cada participante vê, pudemos juntar as peças e perceber como os seus cérebros codificavam cada cenário”, diz Linda Henriksson, em comunicado. “Os nossos resultados revelam que a OPA codifica a configuração do local e que isso acontece de forma muito rápida.”

A equipa chegou a esta conclusão porque a “actividade da OPA reflectia a geometria dos locais”, refere-se no comunicado. Isto é, os padrões de actividade dessa área reflectiam a presença ou a ausência de um componente do cenário. Além disso, a área do lugar occipital percepciona o espaço que nos rodeia em apenas 100 milissegundos (0,1 segundo).

Janela para o cérebro

Contudo, os padrões de actividade da OPA não percepcionaram a aparência dos elementos dos cenários deste estudo. Por exemplo, não é detectada a textura das paredes, do chão e do tecto. No comunicado, os cientistas sugerem assim que esta região do cérebro ignora a aparência do local, percepcionando apenas a sua geometria.

Verificou-se ainda uma diferença entre a OPA e a PPA, não tendo esta última área descodificado a configuração dos cenários do estudo de forma adequada, como se constatou através da fMRI e da MEG. “Os resultados corroboram a ideia de que a OPA retira informação sobre a estrutura espacial do cenário, enquanto a PPA está envolvida no reconhecimento do contexto de um cenário”, lê-se no artigo científico.

Sobre os contributos práticos deste trabalho, a equipa refere que poderá ser relevante para o desenvolvimento de tecnologia de inteligência artificial capaz de mimetizar o sistema visual.

Como tal, planeia criar experiências mais realistas com cenários a três dimensões através da tecnologia de realidade virtual, assim como modelos de redes neuronais que mimetizem a capacidade de o cérebro percepcionar diferentes locais. “Gostaríamos de juntar tudo isto e construir sistemas visuais no computador que se assemelhem mais aos nossos cérebros, sistemas esses que tenham mecanismos especializados como os que observámos no cérebro humano neste estudo e que rapidamente percepcionam a geometria do ambiente”, indica Nikolaus Kriegeskorte.

Afinal, como o neurocientista descreve na sua página online, “os poetas dizem que os olhos são uma janela para a alma”, mas, para ele, “a nossa visão é uma janela sobre como os nossos cérebros processam” a informação.

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