Com o Partido do “Brexit”, Farage já saboreia a vitória nas europeias

Ex-líder do UKIP encabeça lista do Partido do “Brexit”, que lidera as sondagens para as eleições europeias. Dispersão do voto remainer é trunfo em votação que Farage quer transformar numa censura à gestão do processo de saída em Westminster.

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Nigel Farage Simon Dawson/REUTERS

Na longa carreira política que Nigel Farage já leva, dificilmente terá tido uma campanha tão fácil de conceptualizar e de pôr em prática como a corrida deste mês para o Parlamento Europeu, na qual participa à frente do recém-criado Partido do “Brexit”.

Com o processo de saída do Reino Unido da União Europeia congelado em Westminster, a data do divórcio sucessivamente adiada e os dois principais partidos em convulsão interna, o político eurocéptico limitou-se a descomplicar a receita usada em 2014, quando liderava o UKIP, para a aplicar à nova realidade, acrescentando-lhe um ingrediente: a incapacidade do sistema político britânico para fazer cumprir a vontade do povo, que votou pela saída em 2016.

Para confirmar esta tese basta ler as frases de ordem inscritas no site oficial do Partido do “Brexit”, fundado em Janeiro. “A democracia está sob ameaça, junte-se a nós para iniciarmos o contra-ataque”. “Precisamos da sua ajuda para enviar uma mensagem clara ao establishment”. “O Reino Unido consegue fazer melhor do que isto”. “Vamos mudar a política para melhor”. “Somos os 17,4 milhões” – esta em alusão aos 51,9% que votaram leave no referendo.

E a estratégia parece estar (novamente) a resultar. Depois de ter guiado o nacionalista e anti-imigração UKIP ao triunfo nas eleições europeias de há cinco anos – à frente do Partido Trabalhista e elegendo mais cinco eurodeputados que o Partido Conservador –, o eurodeputado está em boa posição para voltar a vencer a contenda. De acordo com o agregador de sondagens do Politico, o Partido do “Brexit” junta cerca de 28% das preferências, ligeiramente acima dos 26% do Labour e bastante à frente dos 14% do partido da primeira-ministra, Theresa May.

Um lugar nas negociações

“O Partido do ‘Brexit’ vai obter um resultado bastante expressivo. Conseguirá sugar os votos dos conservadores desiludidos e dos eleitores da classe operária que defendem o ‘Brexit’”, prevê Matthew J. Goodwin, investigador e especialista em Ciência Política e Relações Internacionais da Universidade de Kent, em declarações ao PÚBLICO. “E uma vez que o ‘Brexit’ ainda não foi cumprido e está a ser consideravelmente suavizado, acredito que estes eleitores permanecerão leais ao partido, mesmo depois das eleições”, acrescenta.

Motivos mais do que suficientes para Farage reivindicar a participação do seu novo partido nas fases seguintes das negociações entre Londres e Bruxelas e no longo caminho que ainda há a percorrer até ao dia 31 de Outubro – a nova data oficial da desfiliação britânica do clube europeu, que obrigou à participação do país nestas eleições, contra a vontade do Governo.

“Se o Partido do ‘Brexit’ ganhar estas eleições defendendo um ‘Brexit’ com as regras da Organização Mundial de Comércio e tiver um apoio significativo, penso que temos legitimidade democrática para ter algo a dizer na forma como se deve proceder a partir de agora”, defendeu o ex-líder do UKIP, em conferência de imprensa, na terça-feira.

Os “verdadeiros” brexiteers

Reconhecido “padrinho” da campanha pela saída e da realização do referendo, Nigel Farage sempre se bateu por um Reino Unido totalmente desamarrado da UE. Fora da união aduaneira e fora do mercado único, portanto. Ao abraçar este novo projecto político, trouxe consigo essa visão isolacionista, mas independente, para pós-“Brexit”. E juntou à sua volta nomes de diferentes quadrantes – como Ann Widdecombe e Annunziata Rees-Mogg, ex-membros do Partido Conservador ou Claire Fox, antiga dirigente do Partido Comunista Revolucionário –, numa tentativa de afastar para os outros (leia-se UKIP) o incómodo rótulo da extrema-direita.

Aliada a esta posição e à simplificação da mensagem eleitoral, agora mais focada no caos em que se transformou o processo de divórcio no Parlamento e menos nos benefícios e vantagens da saída, Farage manteve um elemento fundamental da estratégia populista que colocou o Reino Unido a discutir o “Brexit”: o dividir para conquistar.

Se há coisa que a discussão pública e política pós-referendo veio confirmar, agora com muito mais detalhe, é que o “Brexit” tem significados diferentes para eleitores diferentes que convivem com problemas diferentes. E que dentro das facções que defendem a saída ou a permanência na UE não há consenso sobre a forma ou a substância ideais de um ou de outro cenário. Para Farage, no entanto, segmentar o eleitorado entre os “verdadeiros” brexiteers e os restantes, numa lógica de trincheira, é a chave para continuar a assumir-se como porta-voz dos primeiros.

“Votámos pela saída no referendo, por uma grande maioria de votos; um ano depois, nas legislativas, votámos em dois partidos que nos prometeram respeitar os nossos desejos; depois vimos 500 deputados aprovarem a saída, com ou sem acordo, no dia 29 de Março. Mas não saímos nesse dia. São estas as pessoas que não querem que sejamos uma nação independente e autónoma e que estão a fazer tudo para travar o ‘Brexit’. Estão contra o povo”, resumiu o eurodeputado de 55 anos, num programa de debate da BBC, na quinta-feira, apontando o dedo aos aos conservadores e trabalhistas ali presentes.

Farage show

Esta posição divisiva tem permitido a Farage agregar a maioria do voto brexiteer. Porque a liderança conservadora, que nunca quis participar nestas eleições, prepara-se para uma campanha inexistente – nem prevê apresentar programa –, o partido de Jeremy Corbyn mantém o seu discurso ambíguo sobre o caminho a seguir e o UKIP, sem Farage, não tem força nem o mediatismo necessários para mobilizar eleitores para além dos 5% dos votos – prevê-se que perca 20 eurodeputados.

“Farage é um elemento essencial no sucesso do Partido do ‘Brexit’. O facto de o partido ter substituído rapidamente o UKIP demonstra a sua importância, é já uma marca da política britânica”, considera Goodwin, que é também co-autor do livro National Populism – The Revolt Against Liberal Democracy. “Mesmo que o considerem demasiado polarizador, há muitos eleitores conservadores, eurocépticos e trabalhadores operários que concordam com as suas posições sobre a UE, sobre as negociações do ‘Brexit’ e sobre a imigração”, considera.

Por outro lado, e também por aí se explicam as boas perspectivas do Partido do “Brexit”, Farage beneficia do facto de o eleitorado remainer estar totalmente fragmentado, entre os que ponderam votar no Labour ou nos tories, e os que se distribuem entre Liberais-Democratas, Partido Verde, Change UK-Grupo Independente, Partido Nacional Escocês, Plaid Cymru ou Sinn Féin.

“Há uma razão muito simples para explicar as perspectivas animadoras em volta de Farage: ele não enfrenta qualquer resistência, apesar de sondagens atrás de sondagens indicarem que a maioria remainer está a crescer de dia para dia”, lamenta Gina Miller, activista e fundadora da organização Remain United, num artigo de opinião no Guardian.

As recentes eleições locais testemunharam uma subida significativa do voto em partidos assumidamente contra a saída, como os liberais e os verdes. Um sinal que poderia indicar uma mudança de perspectivas entre os eleitores que em 2016 votaram pelo “Brexit”, mas que, face à diversidade de partidos que defendem a permanência na UE ou que, não sendo postura oficial partidária, têm membros que o fazem, torna difícil uma avaliação apurada.

Certo é que, quase três anos volvidos do referendo britânico à Europa e colocado perante a obrigatoriedade de participar numas eleições para uma instituição que quer abandonar meses depois, o Reino Unido encontra-se, hoje, tão ou mais dividido do que estava. Cenário perfeito para Nigel Farage e o Partido do “Brexit” promoverem a sua causa. E continuarem do lado vencedor.

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