A reunião que sobressaltou o mundo político

No dia em que o assunto volta ao Parlamento, o PÚBLICO revisita a polémica reunião da comissão parlamentar de Educação em que a recuperação integral do tempo de serviço dos professores foi aprovada. Uma foto ajudou a tornar “célebre” esta sessão.

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Foi apenas há uma semana que os partidos à esquerda e à direita do PS (PCP, BE, PSD e CDS) acordaram em aprovar a recuperação integral do tempo de serviço dos professores que esteve congelado sem fazer depender esta votação de quaisquer outras condições. Momentos-chave de uma reunião que sobressaltou o mundo político.

Compromissos e uma ameaça

Poucas horas antes do início da reunião da comissão parlamentar de Educação de 2 de Maio, onde seriam votadas as alterações ao diploma sobre o tempo de serviço dos professores, a deputada Margarida Mano confessava ao PÚBLICO que não arriscava “qualquer prognóstico” quanto ao desfecho. “É daqueles casos que prognósticos só no fim do jogo”, adiantava a centrista Ana Rita Bessa, enquanto a deputada do BE Joana Mortágua dizia que partia para a reunião com “boas expectativas”.

Por essa altura o líder da Federação Nacional de Professores, Mário Nogueira, e outros sindicalistas, já estavam no Parlamento havia quase cinco horas desdobrando-se em contactos de última hora com os vários grupos parlamentares. E ajudaram depois a lotar a sala em que decorreu a reunião.

Mas nem tempo houve para suspense. Logo no início da reunião, por volta das 18h, a deputada do PCP Ana Mesquita fez um apelo aos outros grupos parlamentares para que estivessem na negociação sem “posições intransigentes”. Joana Mortágua acrescentou logo depois que o compromisso do BE “é para com os professores” e que estes não lhes “perdoariam se se guiassem pelo sectarismo”.

À direita, o mesmo compromisso com Margarida Mano a indicar que uma das questões essenciais para o PSD era “a da correcção do tempo de serviço que esteve congelado”. “Tudo faremos para que esta questão seja resolvida rapidamente”, prometeu. A deputada Ana Rita Bessa corroborou, frisando que também para o CDS se mantinha “imutável” a posição de reconhecer a contabilização integral dos nove anos, quatro meses e dois dias. “Estamos abertos à melhor negociação possível e ao melhor desfecho possível”, acrescentou.

Pelo meio, o deputado do PS Porfírio Silva já tinha feito saber que o seu grupo parlamentar entendia que as propostas de alteração apresentadas estavam feridas de “inconstitucionalidade” porque violavam a norma-travão que proíbe a aprovação de mais despesa do que a prevista no Orçamento do Estado e que, por isso, caso não se registassem mudanças, fariam tudo para impedir que estas fossem a votação em plenário. 

O voto mais esperado

Ao fim de 31 minutos, o tempo que demoraram as declarações iniciais, o presidente da comissão Alexandre Quintanilha dava luz verde para que se iniciasse a votação, lembrando que a norma no Parlamento estabelece que esta seja feita de cima para baixo do guião de votações. Como este estava elaborado por ordem crescente, foi o artigo 1.º o primeiro a ser chamado ao baile.

Era neste artigo, precisamente, que nas propostas do PCP, BE e CDS estava fixado qual o tempo de serviço a recuperar. Na do PSD figurava no artigo 2.º. Foi a partir daqui que a deputada Ana Mesquita se assumiu como “mestre-de-cerimónias”. Era a única que tinha chegado à reunião com um guião onde alinhara os vários pontos em comum dos quatro artigos e dos 64 pontos e alíneas em que se desdobravam as propostas de alteração apresentadas pelo PCP, BE, Verdes, PSD e CDS.

Com esta ferramenta não mão, lançou o repto: estando todos de acordo “no sentido da recuperação integral” porque não encontrar “uma formulação comum”? “Sairia assim daqui uma posição reforçada”, frisou. Joana Mortágua ainda levantou dúvidas: se este era um dos artigos onde estavam todos de acordo, porque não deixá-lo para o final?

Ninguém acolheu a sugestão. O artigo 1.º, estabelecendo que a contagem integral totaliza 3411 dias (nove anos, quatro meses e dois dias), foi mesmo o primeiro a ser aprovado com os votos a favor do BE, PCP, PSD e CDS e os votos contra do PS. Nesta altura estava-se a um minuto de chegar ao fim da primeira das quase cinco horas que durou a reunião.

O repto de Ana Mesquita foi seguido também quanto ao texto aprovado, que resultou de uma “formulação comum” elaborada pelos deputados dos quatro partidos em plena reunião. Terão sido estes os momentos captados na fotografia que ajudou a tornar “célebre” esta sessão ao mostrar as deputadas da esquerda e da direita em plena comunhão de esforços. A foto, que não tem assinatura, e foi publicada nas redes sociais, chegou a ser atribuída ao deputado do PS Porfírio Silva, mas este já negou a sua autoria.

Na altura o que as deputadas fotografadas estavam a acertar mais não era do que pequenos pormenores como, por exemplo, se escreveriam “prazo e modo” ou “termos e forma” (ficou esta última) ou ainda se utilizariam termos como “nomeadamente” (consta) ou “eventuais” (foi riscado). Muita da longa negociação ocorrida nessa quinta-feira decorreu em torno de questões como estas.

Nem calendário de execução, nem travão económico

A reunião durava havia uma hora e 12 minutos quando caíram as condições estipuladas nas propostas dos partidos de esquerda com vista a que o reconhecimento do tempo de serviço não fosse só um acto “simbólico”. Por essa razão, PCP, BE e Verdes queriam que o novo diploma tivesse inscrito o calendário em que ocorreria a contabilização faseada do tempo de serviço, estendendo-a até 2025.

Já era conhecido que os sociais-democratas e centristas votariam contra por considerarem que a definição dos prazos é da competência exclusiva do Governo, após negociação com os sindicatos. O aviso concretizou-se: PSD e CDS votaram contra e o PS também (manteve este mesmo sentido de voto durante toda a reunião), o que ditou o chumbo desta parte.

Cerca de uma hora mais tarde seria a vez de caírem as condições inscritas pelo PSD e pelo CDS no sentido de fazer depender a concretização do tempo de serviço dos “recursos disponíveis” do país. Também já era um chumbo anunciado uma vez que se sabia que o BE e o PCP votariam contra, o que conjunto com os votos negativos do PS ditaria a sua não-aprovação.

Da esquerda à direita sucediam-se as mensagens via telemóvel. Mas nem o chumbo do calendário, nem o do travão económico arrefeceram o clima de entendimento dos deputados do PCP, BE PSD e CDS que votando ponto a ponto, alínea a alínea, prolongaram os trabalhos por mais uma hora e meia.

Quase no fim, já depois de ter anunciado que iria fazer uma declaração final, a deputada do PSD Margarida Mano ausentou-se longos minutos. Quando voltou a sua declaração passou por aqui: “Um aspecto muito importante, em que o PSD também foi fundamental, é a correcção do tempo do congelamento. O Estado não tem só de ser uma pessoa de bem, como tem de ser uma pessoa séria. Efectivamente o tempo de congelamento foi de nove anos, quatro meses e dois dias e esse tempo está agora reposto.”

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