Bolhão: a tarefa difícil de festejar um mercado temporário de onde todos querem sair

Vendedores reconhecem o esforço da autarquia em proporcionar-lhes todas as condições, mas não escondem a ansiedade que sentem por voltar ao espaço de sempre.

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O mercado temporário alberga os comerciantes do BOlhão até ao final das obras de reabilitação Nelson Garrido

Um ano se passou desde que os vendedores do mais famoso e típico mercado do Porto se mudaram para o andar subterrâneo de um centro comercial também localizado no centro da cidade. A ocasião não passou em branco, com a Câmara Municipal do Porto a promover um conjunto de actividades que, dentro dos possíveis, recriaram o ambiente festivo que se vivia no mercado – o verdadeiro – apesar do ar cinzento que os andaimes lhe davam nos últimos anos, antes de entrar em obras de reabilitação. A meio da manhã, o ambiente era de festa com muitos vendedores a dividirem-se entre as actuações dinamizadas pela Casa da Música, com fanfarra incluída, e o atendimento aos fregueses que se passeavam pelo espaço.

No entanto, é caso para dizer que a atmosfera contrastava com muitos dos estados de alma de quem diariamente se senta atrás das bancas e lança os pregões na esperança de caçar mais do que flashes das câmaras dos turistas. Se a ideia predominante é a de que a iniciativa da Câmara Municipal do Porto em criar um mercado temporário neste espaço foi positiva, ninguém se atreve a negar a premissa “não há nada como o nosso Bolhão”. Por muito degradado e até sujo que o anterior espaço estivesse.

As dificuldades que já se faziam sentir nos últimos tempos no antigo mercado, que coincidiram com o boom turístico no Porto, parecem ter se acentuado depois da mudança. Teresa Ferreira, responsável por uma banca onde se distinguem diferentes tonalidades de azeitonas e uma grande variedade de frutos secos, não se inibe de arriscar comparações: “O que eu vendo aqui num mês, se calhar lá vendia numa semana, ou até vendia mais”. A mudança e adaptação não foram fáceis para Teresa, a vários níveis. “Agora até estou mais ou menos, mas na altura até mexeu com a minha auto-estima, até emagreci. Vim para aqui e parece que perdi tudo. Agora já estou mais preparada… não é bem preparada, mas pronto.”

Ter o mercado a funcionar num centro comercial – espaços que muitos apontam como causa para o marasmo em que o negócio tradicional caiu – parece ser um pau de dois bicos com o qual alguns vendedores não sabem lidar. Por um lado, há vendedores a reconhecer que perderam fregueses por muitos não gostarem do espaço, como é o caso de Ilda Magalhães com 64 anos e vendedora de legumes: “muitos clientes antigos não vêm porque não gostam disto, deste ambiente. Dizem que estamos a vender caro, mas não estamos”.

Por outro, há quem realce a importância de certas infra-estruturas para atrair mais consumidores. Para Ermelinda Monteiro, comerciante de frutas e saladas, com 55 anos, propostas como a oferta de estacionamento durante uma hora a quem fizer compras superiores a 15 euros são um “atractivo bom”. “Tínhamos alguns fregueses a vir de carro, mas só o faziam ao sábado porque não tinham vagar. Agora já podem.”

As opiniões convergem, ainda assim, quando o assunto é o papel e a importância que a autarquia tem tido nesta iniciativa: “só não fazem mais porque não podem”, ressalva Ilda enquanto almoça a sua sopa, claro está, de legumes, sem nunca tirar os olhos dos possíveis clientes que se aproximam da sua banca. A opinião de Ermelinda vai no mesmo sentido, com a vendedora de fruta a exibir os sacos que o município disponibiliza para os comerciantes entregarem aos fregueses – “estes miminhos, parece que não, mas caem bem”, confessa. Para a vendedora, a Câmara do Porto “tem-se esforçado e tem cumprido o seu papel”.

Mesmo com todas as condições que lhes foram proporcionadas, há poucas perguntas que causam tanto alvoroço nas caras das vendedoras como as que tocam na mudança para o novo mercado, seja este como e para quem for. Teresa acha que o Bolhão “nunca mais vai ser o mesmo”, isto porque, segundo a própria, as barraquinhas com 114 anos de história que lá se encontravam foram “deitadas abaixo”. Ilda, por sua vez, teme que no Bolhão reformulado aconteça o mesmo que no espaço temporário: “nos primeiros dias deve vir muita gente, mas depois…”. A precaução com que as suas colegas de pregão encaram a mudança não contagia Ermelinda: “Aquilo vai ficar top! O mercado está muito bem situado, para mim o coração da cidade é o mercado”, insiste.

Pelo sim, pelo não e enquanto prepara para servir mais um dos seus fregueses, Teresa lá deixa escapar o seu desejo intimo: “quero é que o tempo passe depressa para ir lá para baixo”.

Texto editado por Abel Coentrão

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