Sobre a noite passada: esta foi “A noite mais longa” de A Guerra dos Tronos

É tudo uma questão de expectativas. E o sucesso é fazer com que, apesar de todas as teorias e previsões, no calor da batalha elas não importem. Foi o episódio mais longo - 82 minutos - e filmado ao longo de 55 noites. “O que dizemos ao deus da morte? Hoje não.” Contém spoilers.

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Sansa e Arya Stark (Sophie Turner e Maisie Williams) Helen Sloan/HBO

A Guerra dos Tronos é uma das mais debatidas, recapituladas e especuladas séries da actualidade. A sua arte é fazer com que, apesar de todas as teorias, previsões e listas à sua volta, no calor da batalha e no centro gelado de episódios como The Long Night, isso não importe. Este foi o episódio mais longo de sempre da série-blockbuster, e será a batalha mais longa alguma vez filmada. A lista de vítimas é longa, mas não tão profunda quanto se poderia esperar - ou teorizar, ou prever. E isso importa?

Contém spoilers para o terceiro episódio da oitava temporada de A Guerra dos Tronos

The Long Night, já se sabia, foi entregue ao realizador Miguel Sapochnik, o mesmo de Battle of the Bastards (que ganhou sete Emmys) e Hardhome. Também já se sabia que este seria o episódio mais longo, com 82 minutos, da série que ensinou os espectadores e a indústria que é possível espetar o coração dos fãs com a ponta afiada, decapitando e traindo herói atrás de herói. Das mil conversas sobre a série já se tinha confirmado também que este terceiro de seis episódios finais seria o da “Batalha de Winterfell”, clímax da luta entre vida e morte e vivos e mortos-vivos - o arco mágico da série, que suspendeu o arco narrativo de realpolitik que é a luta pelo poder e por um trono feito de espadas e sangue sobre um reino de gelo e fogo.

O que não se sabia era quem ia morrer e, na verdade, quem ia ganhar. “Vai ser um banho de sangue, mas vamos adorar. É uma das razões pelas quais adoramos A Guerra dos Tronos”, dizia há dias à agência Reuters a editora do site Watchers on the Wall, Susan Miller.

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Os dois primeiros episódios da oitava temporada de A Guerra dos Tronos fizeram conversa de salão e encenaram uma peça de longas despedidas para a longa noite (o título do episódio refere-se a um momento histórico que o tempo diluiu como lenda no mundo ficcional d’As Crónicas de Gelo e Fogo e que dizia respeito ao domínio dos mortos sobre o reino dos vivos). Que levou sobretudo soldados, muitos parte da lista dos grandes candidatos que sites, podcasts, casas de apostas, comunidades de fãs e jornais de referência compilaram na última semana, mas também o principal antagonista do sector fantástico da série. Outros tantos sobreviveram.

“Tudo o que fizeste trouxe-te onde estás agora”, diz o centro de informação da série, Bran Stark ou Corvo-de-três-olhos, a Theon Greyjoy. Podia dizê-lo a todos os que combateram na Batalha de Winterfell e que filmaram durante 11 semanas e 55 dias consecutivos à noite para fazer The Long Night. É uma frase que ecoa do trailer e que continua a servir o senhor da luz narrativa que pôs David Benioff e D.B. Weiss, os criadores da série, como argumentistas deste episódio para que as rimas com o passado continuassem. “O que dizemos ao deus da morte?”, repete a feiticeira Melisandre, como ensinara na primeira temporada o mestre de armas Syrio Forel. “Hoje não”, responde a iminente super-heroína Arya Stark.

A oitava temporada de A Guerra dos Tronos é um jogo de expectativas, o culminar de quase uma década de fidelidade televisiva e de mais de duas de leitura voraz dos livros originais. E a promessa de uma batalha maior do que a vida inclinava a balança da série para o lado do espectáculo, mas também incluía o risco de sobrecarregar o prato da emoção com a sua narrativa impiedosa e respectiva perda de personagens fadadas à morte. Se por um lado para o New York Times “a Batalha de Winterfell excedeu as expectativas”, por outro lado para Alison Herman, crítica do site The Ringer, “os vivos ganharam, mas A Guerra dos Tronos perdeu a sua crueldade”. Houve uma vitória, mas poupou o elenco central, embora tenha sido um requiem por alguns heróis - Edd Tollett, a liliputiana Lyanna Mormont contra o seu Gulliver decomposto - e heróis de currículos manchados que rumavam ao seu destino - Beric Dondarrion, Theon Greyjoy, Jorah Mormont, Melisandre.

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Ainda assim, a construção do crescendo de The Long Night, dos nervos silenciosos dos asfixiantes primeiros minutos até à tensão ensurdecedora dos últimos momentos de cansaço, surtiu efeito. Um desses efeitos foi a queda do principal antagonista, um vilão pouco colorido e sem vida, ao contrário dos que, com batimento cardíaco e pulsões bem terrenas, povoaram grande parte das 70 horas e cinco livros de A Guerra dos Tronos. A complexa trama de mitologia e fantasia d’As Crónicas de Gelo e Fogo de George R.R. Martin tem sido simplificada na sua passagem da televisão para os livros e o seu futuro, como o do regime político nos próximos capítulos, é uma das incógnitas desta história que tantas dezenas de milhões de pessoas apaixona.

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Outro efeito é precisamente o que deixa para a frente. Este era um episódio muito aguardado e previsivelmente discutido durante meses (antes e depois da sua exibição). A Guerra dos Tronos há muito não existe no vazio. Com tudo o que a rodeia e com a tarefa de mais de 150 milhões de dólares que Benioff e Weiss têm em mãos nesta temporada, a visão de conjunto é obrigatória. “O episódio é o mais elevado representante de uma das formas como A Guerra dos Tronos se vê, como um palco para acção ultraviolenta em que o que está em jogo é o destino do mundo”, pondera Daniel D’Addario na Variety. O que está agora em causa é um regresso “à entidade que foi quando estava no seu melhor: uma história de intriga palaciana e de gestão política e militar com um cheiro de magia”. Nas próximas três semanas, os episódios vão manter a duração XL - 78 minutos para o quarto tomo e 80 minutos para os dois últimos capítulos.

The Long Night juntou o maior número de personagens principais do elenco desde o primeiro episódio, nos idos de 2011. Na sua feitura trabalharam 750 pessoas e o realizador só compara o resultado final à batalha de 40 minutos de O Senhor dos Anéis: As Duas Torres, em Helm’s Deep. E depois, fez maior. Tentou fazer um jogo entre a luta e os diálogos ou simples expressão dramática, e focar-se nas muitas personagens em jogo. No passado, filmou sobretudo batalhas “na perspectiva de Jon [Snow, o protagonista]. Aqui tenho uns 20 membros do elenco e toda a gente gostaria que esta fosse a sua cena”, explicava em Março à revista Entertainment Weekly. “Estive sempre a pensar: ‘é a história de quem que estou a contar agora?’.”

Entre lutas intestinas de dragões e combate nocturno (que gerou criticas dos espectadores, tal como mais uma vez a HBO Portugal foi alvo da frustração dos subscritores por avisar não poder ter o episódio em simultâneo com os EUA; no canal SyFy tudo decorreu na normalidade), a fotografia fez-se de cinzas de neve, ordem e caos, um castelo mítico rodeado de chamas e excertos de um filme de zombies.

Nas próximas semanas, para quem privilegia a dimensão espectáculo e fantasia da série mais vista do mundo, até se pode concluir que o clímax, como o passado no rock português, foi lá atrás. Mas afinal, ao contrário do que dizia uma certa feiticeira vermelha, este não foi o fim do mundo.

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