Algarve a ver passar os atuns que valem milhares para os japoneses

A quota portuguesa para pescar atum-rabilho - a espécie mais apreciada para o sushi - corresponde a menos de 3% da quota da União Europeia. A região algarvia exige mais

Pesca de atum tradicional
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Pesca de atum tradicional
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Arraial Ferreira Neto no passado
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Arraial Ferreira Neto no passado
Vila Galé no que foi o arraial Ferreira Neto
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Vila Galé no que foi o arraial Ferreira Neto

O atum regressou à costa algarvia, depois de duas décadas de afastamento. No presente, das três modernas armações em actividade, nenhuma é portuguesa – duas pertencem a uma empresa espanhola e a terceira é de capitais japoneses. Um quilo de atum-rabilho, a espécie predominante, pode atingir os mil euros por quilo no mercado de Tóquio. Por isso, os portugueses só comem o peixe que não tem valor comercial para exportação e o mercado europeu é dominado pelos irmãos Fuentes, com actividade em Portugal, Espanha, Itália, França e Croácia

A Companhia de Pescarias do Algarve (CPA), fundada em 1835, tem uma história que se confunde com a própria evolução do sector pesqueiro. “Vendi as duas armações [Fuseta e Stª Maria-Faro] aos irmãos Fuentes”, diz o administrador da CPA, António Farinha: “São eles que dominam o mercado”, enfatiza. Na zona do Golfo de Cádis possuem mais quatro armações Os concorrentes locais são os japoneses - através da empresa Tunipex - que exporta quase todos os atuns que produz.

A partir do mês que vem, passam ao largo da costa algarvia, o atum-rabilho vindo do Centro do Atlântico para a desova no Mediterrâneo. Este é muito apreciado no mercado japonês. De regresso ao Atlântico Norte (atum de revés), já vai magro. Quando é capturado, os japoneses fornecem-lhe uma engorda especial, para satisfazer o gosto dos orientais, que o consomem cru (sushi) e pagam bem.  Além de Portugal, há mais sete países envolvidos neste tipo de pesca: Espanha, França, Itália, Croácia, Grécia, Malta e Chipre.

Um velha história

No livro Um Século de História da Companhia de Pescarias do Algarve, António Miguel Galvão refere que, em 1903, existiam na região 19 armações de atum. Em Tavira, termina neste domingo, o festival “Almadrava” – evento destinado a contar aos turistas as estórias do copejo, as lutas travadas entre o homem e o peixe, cujo peso médio ronda os 200 quilos. Tratava-se de um “tourada do mar”, como é descrito por alguns autores.

O pescador Rogério Galhardo foi convidado a ir ao Arraial Ferreira Neto (transformado em hotel Vila Galé Albacora) para fazer uma demonstração das artes em que é mestre: “Agora existe todo um sistema de tecnologias que permitem saber onde está o peixe e como o capturar – nada se assemelha àquilo que eu conheci”. No passado, os arraiais transformavam-se numa grande família, com mais de duas centenas de pessoas. “Até o cão e o gato embarcavam”.

O arraial Ferreira Neto foi a última armação tradicional a encerrar. No ano em que fechou portas, em 1972, foi capturado apenas um exemplar. A partir daí, e durante duas décadas, a actividade estagnou. Com a vinda dos japoneses em 1994, criou-se a Área Piloto de Produção Aquícola da Armona e novos horizontes se abriram. À experiência dos pescadores algarvios juntou-se a tecnologia e ciência dos nipónicos.

Portugal sem pescar mais

A empresa Tunipex, de capitais japoneses, capturou há dois anos 240 toneladas de atum-rabilho. Após uma visita a esta empresa, no ano passado, o deputado Paulo Sá, do PCP, concluiu que, no Algarve, há condições para “pescar muito mais e com possibilidade de aumentar a exportação”. Porém, a ministra do Mar, Ana Paula Vitorino, a uma pergunta dirigida pelo parlamentar, frustrou as expectativas: “A quota portuguesa do atum-rabilho corresponde a 2,97% [332 toneladas, usadas na quase totalidade pelas armações do Algarve] da quota da União Europeia e resulta das capturas efectuadas por embarcações japonesas fretadas na Madeira e que eram as únicas registadas em Portugal há décadas, quando foi repartida a quota”. Inconformado, o deputado comunista, em declarações ao PÚBLICO, criticou: “O Governo conformou-se e manifestou uma total falta de ambição”.

Rogério Galhardo, de 72 anos, é o último pescador profissional, em Tavira. “Da pesca profissional, tenho o único barco de madeira que ainda existe”. O baixo valor do pescado, justifica, levou ao abandono da actividade. Os marítimos viraram guias-turísticos. Segundo o Turismo de Portugal, foram emitidas 562 licenças marítimo-turísticas e só no concelho de Tavira há 36 embarcações que se dedicam a promover passeios ao longo da costa e na ria Formosa.

Por seu lado, o comandante José Centeno, capitão do porto de Olhão entre 1988 e 1992, referiu que o número de traineiras de cerco reduziu de 17 para três nesses quatro anos. A situação, observa, “mais cedo ou mais tarde vai-se reflectir no turismo porque as pessoas querem comer peixe fresco, e cada vez há menos”. No tradicional leilão do Ano Novo de 2019, no mercado do peixe em Tóquio, a venda de um atum-rabilho de 278 quilos, foi vendido por 2,7 milhões de euros. O comprador foi o proprietário da cadeia de restaurantes japonesa Sushizanmai.

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