O Luton Town volta a sonhar alto uma década depois de bater no fundo

Os “hatters” voltaram a ser o orgulho da cidade depois de muitos anos de vergonhas, incluindo um presidente que chegou a escolher um treinador por votação telefónica.

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James Collins, o melhor marcador do Luton Reuters

Luton tem o seu direito à fama internacional como um dos aeroportos ao serviço de Londres. É uma porta de entrada e de saída para mais de 16 milhões de passageiros por ano, e que teve em tempos uma vibrante indústria chapeleira e foi sede da principal fábrica da Vauxhall. O futebol sempre foi um motivo de orgulho desta cidade de passagem com passado industrial, mas o Luton Town FC também foi durante muito tempo uma vergonha para os seus adeptos, sobretudo nos tempos em que o seu lunático presidente fazia da escolha do treinador um “reality show” de votação telefónica, ou nos tempos em que sofreu a ignomínia de jogar na quinta divisão porque anos de gestão danosa conduziram a uma dedução administrativa de 30 pontos.

Mas a espiral de loucura do Luton Town já parece ter chegado ao fim. Uma década depois de terem batido no fundo, os “hatters” (chapeleiros, em homenagem à herança industrial da cidade) estão à beira de regressar ao Championship (segunda divisão), naquela que será a segunda promoção em temporadas consecutivas. Uma promoção feita à base do aproveitamento de jogadores feitos no clube e conduzida nos últimos meses por Mick Harford, o homem que estava ao comando da equipa quando desceu à quinta divisão em 2009. Mas os problemas já tinham começado muito antes. Antes de ver a Luz, o túnel por onde andou o Luton Town foi longo e escuro.

O Luton Town foi sempre um clube de altos e baixos. Só em 1955 é que conseguiu chegar à primeira divisão e por lá se aguentou durante cinco temporadas, antes de voltar a descer. Teve mais uma breve passagem pelo escalão principal em 1974-75 antes de iniciar em 1982 a década de maior sucesso da história do clube, dez anos de convívio entre os grandes e a inesperada conquista da Taça da Liga inglesa em 1988 com uma vitória por 3-2 na final de Wembley frente ao Arsenal. Mas este era um período de profunda reconstrução do futebol inglês. Quatro anos depois, a primeira divisão inglesa reinventava-se como a Premier League e assumia um modelo comercial de gestão, o início de algo que viria a transformar-se no maior e mais lucrativo campeonato do mundo.

Para o Luton, seria um desencontro histórico. Desceu de divisão no ano de fundação da Premier League e nunca mais voltou ao convívio com os grandes. Avancemos mais uma década e o clube é vendido em 2003 a um consórcio liderado por John Gurney, um homem cheio de ideias bizarras. Uma delas era construir um enorme complexo desportivo que incluía um estádio e um circuito para Fórmula 1, e também queria mudar o nome do clube para London Luton, tal como o aeroporto – e também tentou mudar a equipa para Milton Keynes, antes do Wimbledon se mudar para lá e transformar-se no MK Dons.

A mais bizarra de todas foi despedir o treinador (que tinha Harford como adjunto) e promover uma votação telefónica, com chamadas de valor acrescentado, para que os adeptos pudessem escolher o novo técnico entre oito nomes (um deles era o técnico que tinha sido despedido). Chamaram-lhe o “Manager Idol”. A lista foi reduzida a três nomes (um deles continuava a ser o treinador que tinha sido despedido). As linhas de valor acrescentado voltaram a estar abertas ao público e a direcção do clube tentou chegar a acordo com os três antes de divulgar os resultados da votação. Não conseguiram acordo com o que tinha sido despedido, um dos outros dois nem sequer apareceu e o vencedor da votação, por coincidência, foi o único que estava em Kenilworth Road à hora da divulgação dos resultados.

Avancemos mais alguns anos, até à época 2008-09. Depois de duas despromoções consecutivas que o colocaram na League Two (quarta divisão), o Luton enfrentava uma missão impossível, o de evitar a despromoção ao futebol amador (Conference) iniciando a época com 30 pontos negativos, devido a problemas financeiros e irregularidades em transferências. Mick Harford tentou o impossível, mas o esforço foi em vão. Sem o castigo, o Luton teria feito 56 pontos, o suficiente para um lugar a meio da tabela, mas o castigo foi um lastro que os deixou no último lugar. Ainda assim, no meio do caos, o Luton conseguiu ganhar o Football League Trophy, uma taça para as equipas da League One e League Two.

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Foi um purgatório de cinco temporadas a jogar na quinta divisão que terminou em 2014. Mais quatro anos passaram e o Luton, sob o comando do galês Nathan Jones, regressou à League One. A meio da época, e com o Luton bem lançado, Jones cedeu ao apelo do Stoke City para ir treinar no Championsip e deixou o clube entregue a Mick Harford, que tinha sido despedido, mas que tinha regressado ao clube para liderar o recrutamento. Resultado: a duas jornadas do fim do longo campeonato (tem 46 jornadas), o Luton está em primeiro, à frente de históricos como o Sunderland ou o Portsmouth, com a promoção directa à vista, mas já com um lugar garantido no play-off de subida. E o apoio do público tem sido incansável: uma média superior a nove mil espectadores nos jogos em casa que é praticamente a lotação do Kenilworth Road, um estádio quase tão velho como o clube – o clube foi fundado em 1885, o estádio foi inaugurado em 1905, mas já estão em andamento planos para um novo recinto com o dobro da lotação.

O segredo de Harford tem sido não mexer naquilo que Jones deixou, contando com os golos do veterano irlandês James Collins ou com a voz de comando na defesa de James Justin, um jovem internacional inglês sub-20 que está no clube da sua cidade desde os sete anos de idade. “Não via muitos jogos, mas estava todos os dias no treino. Conhecia bem os jogadores, fui eu que os trouxe quase todos e sabia que a equipa que Nathan [Jones] fez não precisava de grandes retoques. Não precisei de mudar nada”, admitia o veterano treinador de 60 anos, um antigo internacional inglês que esteve em quase todos os piores momentos do Luton Town. Mas que também tem estado nos melhores.

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