Sobre a noite passada: a morte tem muitas caras n’A Guerra dos Tronos

“É a nossa última noite juntos”: A Knight of the Seven Kingdoms foi um episódio que chegou mais cedo do que devia à Internet, teve uma resposta central sobre o vilão gelado da maior série do mundo e deu música com Florence + the Machine. Contém spoilers.

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Helen Sloan/HBO
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A tecnologia é uma das grandes aliadas da maior série do mundo – o streaming fá-la (ou tenta) chegar ao mesmo tempo a centenas de países, os efeitos visuais tornam os seus dragões e criaturas de gelo credíveis, a Internet torna possíveis as vorazes conversas sobre ela. Depois de ter batido os seus próprios recordes na semana passada, o segundo episódio da temporada final de A Guerra dos Tronos voltou, porém, ao que lhe é mais básico: pessoas a conversar em salas para efeito dramático que responderam a questões de vida e de morte para os espectadores que tanto teorizam. É que A Knight of the Seven Kingdoms “é a nossa última noite juntos”, segundo o co-criador David Benioff.

Este texto contém spoilers para o episódio 2 da 8.ª temporada de A Guerra dos Tronos

O episódio, mais um realizado por David Nutter, deu a Bryan Cogman a tarefa de entrelaçar fios há muito distantes, de desfazer nós de intriga e de relacionamentos do seu extenso elenco.

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A Guerra dos Tronos está na antecâmara da sua batalha, a de Winterfell, e a expectativa era tanta que a Amazon, que distribui a série na Alemanha, deixou vazar para a Internet o episódio mais cedo. Sendo esta a série mais vista na actualidade e tendo conseguido 17,4 milhões de espectadores (legais) na HBO norte-americana na semana passada, também é a mais pirateada – e foi isso que aconteceu após a precipitação alemã, com muitos espectadores por todo o mundo a aproveitar os ficheiros ilícitos na noite de domingo; a tecnologia não ajudou os subscritores da HBO Portugal que queriam ver o episódio em simultâneo com os EUA na Vodafone, com algumas críticas pelo facto de ele só estar disponível durante a manhã desta segunda-feira.

Sorte ou tormenta à parte, a madrugada de segunda-feira deu a Bryan Cogman a honra de escrever respostas para os espectadores e leitores, sobretudo aquela que dezenas de podcasts e centenas de conversas no Reddit ou na imprensa procuravam. “O que é que ele quer?”, pergunta Samwell Tarly sobre o desígnio do vilão da série (os livros d'A Canção de Gelo e Fogo não se cosem da mesma forma). Avatar do autor original George R.R. Martin e em parte do público da saga, a personagem voltou a pôr A Guerra dos Tronos a falar directamente para a câmara. Tal como em Winterfell, o episódio anterior em que o humor funcionava como um constante piscar de olho para os milhões de pessoas expectantes que tanta importância e dimensão dão à série, desta feita uma pergunta e uma resposta remataram meses (ou anos) de discussão.

“Uma noite sem fim”, responde o vidente Brandon Stark na voz de um jovem actor de 20 anos que passou metade da sua vida a filmar A Guerra dos Tronos. O Night King, adversário gelado todo-poderoso, “quer obliterar este mundo”, continua, e quer eliminar o próprio Bran Stark – porque este é a sua memória. “É isso que é a morte, não é? Esquecer. Ser esquecido”, responde Tarly, num de uma série de diálogos sobre a morte e sobre como A Guerra dos Tronos continua não a repetir o passado, mas, como diz Stephen King, a rimar com ele. Ou, como diriam Brandon Stark e Jamie Lannister, “as coisas que fazemos por amor”, a repetir o primeiro episódio de sempre da série; mais tarde, uma menina de rosto marcado faz lembrar uma criança-princesa.

David Benioff e D.B. Weiss, nos vídeos que a cada semana acompanham cada novo episódio de A Guerra dos Tronos, explicam como esta é uma reunião antes da tempestade – e dos capítulos de mais de uma hora da série, da iminente batalha em que muitos dos seus milhões do orçamento serão gastos. Explicam como introduziram uma música, Jenny of Oldstones, que tem um mero primeiro verso nos livros de Martin e que os Florence + the Machine cantaram para o final do episódio (como os The National fizeram para The Rains of Castamere).

E deixam nas entrelinhas como A Guerra dos Tronos nem sempre precisa de efeitos especiais para fazer essas melodias que perfizeram “mais um óptimo episódio”, para a revista Forbes, e também como quiseram fazer de A Knight of the Seven Kingdoms uma resposta aos saudosistas de uma série com tantos livros e diálogos sofisticados na sua origem que fazia capítulos inteiros de conversas espirituosas. Uma série que, desde que perdeu essa rede de segurança literária, ficou sem alguma da sua estabilidade narrativa e deixou algumas das regras do seu universo cair pelas malhas.

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Conversas em criptas, conversas em salões, conversas em ameias, conversas em pátios, mulheres que são líderes numa história tão criticada pela sua política de género, mulheres que são cavaleiras dos Sete Reinos. Homens que procuram a redenção, personagens que irão encontrar o seu fim – “Conheço a morte. Tem muitas caras. Mal posso esperar para ver esta”, repete do trailer a personagem Arya Stark sobre o exército dos mortos que está aos portões.

Tal como as reacções ao primeiro episódio desta última temporada foram mistas, embora com alguma ênfase no positivo, esta segunda-feira os críticos tanto se congratulam por mais uma vez terem visto a série no seu melhor (Rolling Stone, Forbes) quanto lamentam a sua auto-satisfação. Esta é uma história que se destacou pela forma demorada como tecia a sua teia e pelos muitos desconfortos que causou. Neste episódio, eles também existiram, do sexo entre duas jovens personagens aos tropeços num par desses diálogos em salas tremeluzentes, passando por leite de gigantes. “Não precisamos que nos digam o que aconteceu entre estas pessoas, porque podemos vê-lo nas suas caras. A Guerra dos Tronos não precisa de forçar esse momento, mas quando um episódio só se faz de momentos, isso pode muito bem ser inevitável”, faz notar Alison Herman no site The Ringer.

Ou, no que toca aos grandes objectivos da história, e como diz o crítico David Sims na revista The Atlantic, se, por um lado, foram buscar um argumentista que é “o maior perito nos detalhes rebuscados dos livros de George R.R. Martin”, o que resultou “numa série de conversas significativas à lareira”, por outro, “a conclusão mais assustadora deste episódio é que A Guerra dos Tronos pode executar o seu maior confronto sem o vigor da surpresa, da imaginação e de maquinações de eunucos carecas que outrora a tornavam excelente”, como teme Spencer Kornhaber na mesma publicação.

Antevê-se que o próximo episódio, com os seus 60 minutos de duração, seja uma das mais longas batalhas alguma vez filmadas (cinema incluído). A Guerra dos Tronos é uma série e uma série de palavras partilhadas – e com a grande expectativa vem o grande medo da previsibilidade (da morte) perante “a última noite” destas personagens juntas. É que o Inverno chegou, a noite é longa e cheia de terrores e sucedem-se os desejos de boa sorte nas guerras que se avizinham. E, quando se joga A Guerra dos Tronos, ou se vive ou se morre.

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