Em ano de Mundial, a Austrália debate-se com escândalo de religião e homofobia

Israel Folau, a grande referência dos “wallabies”, foi afastado da selecção e do clube na sequência de um post polémico.

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Israel Folau soma 73 jogos pela selecção da Austrália LUSA/JAN TOUZEAU

O râguebi australiano está a fervilhar fora do campo e a tensão parece estar para durar. No epicentro da discussão surge Israel Folau, um dos mais influentes jogadores dos “wallabies” e o autor de uma mensagem de teor homofóbico que fez estremecer a comunidade desportiva no país. Entre acusações de reincidência e desrespeito pelo código de conduta, e alegações de pura obediência aos ditames cristãos, o caso tem preenchido a actualidade e já resultou no afastamento do defesa da selecção da Austrália. Mas isto é só a ponta do icebergue. E para a próxima semana há já novos capítulos agendados.

Vejamos, antes de mais, qual o comentário que incendiou os ânimos: “Bêbados, homossexuais, adúlteros, mentirosos, fornicadores, ladrões, ateus, idólatras, o inferno espera por vós. Arrependam-se. Só Jesus salva”, escreveu Folau no Instagram, no dia 10 de Abril. Não foi a primeira vez que teceu considerações deste teor — a 4 de Abril de 2018, na mesma rede social, também apontou o inferno como o destino dos homossexuais —, mas esta foi a primeira vez que a Federação Australiana decidiu punir o jogador.

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A argumentação que Israel Folau utilizou, há um ano, para convencer os dirigentes do organismo, e em particular a directora executiva Raelene Castle, é sensivelmente a mesma a que recorre agora, ainda que com resultados diferentes. “Mantenho-me fiel ao que diz a Bíblia. Partilho-o com amor. Consigo ver o outro lado da moeda, em que as reacções das pessoas são o oposto [do espírito com que partilho a mensagem], mas (...) não posso mudar a palavra de Deus”, respondeu ao jornal Sydney Morning Herald, depois de citar Ezequiel, capítulo 33, versículo 11.

A faceta cristã tem um peso significativo na vida de um atleta que tem também um peso indesmentível na selecção da Austrália, pela qual soma 73 jogos. Folau frequenta regularmente a igreja Truth of Jesus Christ, em Kenthurst, a noroeste de Sydney, juntamente com a mulher, também ela uma atleta de alta competição. E já se mostrou, pelo menos no plano do discurso, relativamente despreocupado com as sanções de que está a ser alvo: “Claro que é um momento difícil, mas eu encontro conforto no que diz a Bíblia. Aqueles que vivem para Cristo serão perseguidos pelo seu nome, por isso, para mim, [esta reacção] não é surpresa”.

O afastamento da selecção já foi assumido pela federação, mas o três-quartos australiano também perdeu, pelo menos por enquanto, o lugar nos New South Wales Waratahs, depois de se ter tornado no jogador com mais ensaios de sempre no Super Rugby, o maior campeonato da modalidade no hemisfério sul. E se há algo que este caso tem trazido à tona, é um mal-estar que vem igualmente de dentro do balneário, como se percebe pelas palavras de Will Genia, vice-capitão dos “wallabies”: “Acredito firmemente que o que ele fez é errado. Não podemos andar por aí a espalhar ódio e a dizer às pessoas que vão para o inferno”, declarou ao Fox Rugby Podcast.

O seleccionador, de resto, adoptou uma posição semelhante, fechando a porta da equipa nacional a Israel Folau, independentemente do desfecho do processo. “Nós representamos toda a gente na Austrália. Toda a gente”, insistiu Michael Cheika, sublinhando que os pontos de vista expressos pelo jogador colidem com o espírito inclusivo da selecção. Como todas as decisões, esta gerou aplausos, mas também críticas, no caso de inflexibilidade, especialmente por se tratar de um ano de Campeonato do Mundo, que decorrerá no Japão, a partir de 20 de Setembro.

Indiferente ao estatuto de Folau e às aspirações da Austrália, o que formalmente ditou o castigo imposto ao defesa foi a desobediência ao código de conduta a que os jogadores sob contrato estão sujeitos e que os proíbe, por exemplo, de proferirem declarações que discriminem em função do género, raça ou orientação sexual. É com base nesta argumentação que a Federação Australiana vai tentar pôr termo ao contrato de quatro anos que o atleta está a cumprir. E tentar é o verbo correcto, já que Israel Folau solicitou ontem uma audição, que deverá ter lugar na próxima semana e na qual, segundo vários especialistas, poderá invocar o direito de liberdade religiosa em seu favor. 

Até lá, Raelene Castle não fará mais comentários para lá de reconhecer que estava à espera desta reacção, enquanto o jogador se limita a mostrar tranquilidade. “O processo está a decorrer, mas eu acredito que Deus controla todas as coisas. Seja qual for a Sua vontade, e seja ela que eu continue ou não a jogar, ficarei muito satisfeito por fazer o que Ele quiser que eu faça”.

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