Dos 900 euros em gasolina aos cafés tirados pelos clientes: as horas loucas dos gasolineiros

O PÚBLICO foi ouvir algumas das pessoas que viveram na primeira pessoa a corrida aos combustíveis. “Estou aqui há 24 anos e nunca vi nada assim. Parecia que ia acabar o mundo”, conta uma funcionária.

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Funcionários dos postos de combustíveis viveram dias agitados devido à greve dos motoristas de matérias perigosas NFACTOS/Fernando Veludo/Arquivo

“Como foi? Foi horrível”. E ri-se. De camisola laranja, Fausto Cunha controla o pagamento no posto da Galp junto ao shopping Maia Jardim, na Maia, distrito do Porto. Como um relâmpago, vai buscar o telemóvel e mostra exemplos das longas filas que marcaram os dois últimos dias.

Numa das fotografias que captou pode ver-se um homem, dono de uma carrinha, a encher um recipiente gigante colocado na parte de trás do veículo. “Este senhor meteu 900 euros de gasolina”, garante, ainda incrédulo. Uma a uma, ia passando as fotografias de duas noites inéditas na sua carreira: “Costumámos ter dias de promoção com muito movimento, mas já estamos precavidos a nível de combustível.” Já depois de a bomba ter encerrado, longas filas continuavam a acumular-se, com muitos condutores a alimentarem a esperança de obter o desejado combustível.

O cenário repetiu-se em Matosinhos. Paula Queirós, também funcionária da Galp, não tem dúvidas: “Estou aqui há 24 anos e nunca vi nada assim. Parecia que ia acabar o mundo.” Para um relato que roça o apocalíptico, o dia era de muita calma no posto de abastecimento onde Paula trabalha. “Já não temos nada nos tanques. Nem gasolina nem gasóleo”, justifica.

Mas sabe quando será reabastecida? “Ainda não tive informações, mas, como o senhor diz, não somos das bombas prioritárias. Vamos ver.” Referia-se à lista dos 310 postos prioritários, criada e divulgada pelo Governo horas antes de chegar a acordo com patrões e motoristas de matérias perigosas.

Ultrapassados os dias de maior aperto, a mulher relembra, de sorriso nos lábios, a velocidade supersónica a que teve de trabalhar para dar resposta a tantos clientes. “Antes de abrir a bomba já havia fila de carros para abastecer. Os clientes que queriam café tinham de ser eles a ir lá tirá-lo [risos]. Não dava mesmo.”

“Também ganhamos o ordenado mínimo”

O à-vontade demonstrado por Fausto e Paula contrastou com as muitas respostas negativas dos funcionários de abastecimento, que pediram anonimato por medo de represálias.

Um desses funcionários concorda com a greve dos motoristas de matérias perigosas, mas comenta que a situação dos gasolineiros ainda é mais preocupante. “Eles têm razão em ter feito greve. Agora, nós também teríamos razão em fazê-la. Também ganhamos o ordenado mínimo. Mas eles são 800, nós somos meia dúzia. Têm muito mais poder”.  

Regressando à bomba da Maia, Fausto partilha desta visão. “Nem se compara o poder. Para transportar é que é preciso o condutor. Actualmente, uma bomba de gasolina é quase tudo automático.” Paula Queirós é mais pessimista: “Simplesmente seria posta na rua e o meu patrão arranjaria alguém para o meu lugar. A greve gerou pânico por ser na Páscoa. As pessoas queriam ir para fora. Houve gente que disse que não ia para fora porque tinha medo de ir e não conseguir regressar.”

Apesar das longas esperas nas filas para os postos de abastecimento, na maioria das situações, as pessoas mantiveram o civismo, garante Fausto Cunha: “Houve malta a apitar e algumas bocas, mas não chegou a haver porrada. Na BP, ali em cima, houve.” Para Paula, a comunicação social tem responsabilidade acrescida. “A partir das 11h de terça-feira, foi quando começou a ficar movimento. A CMTV mete toda a gente em pânico”, afirma, entre risos.

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