Greves a doer “deverão aumentar no futuro”

A agenda ideológica está a ser posta de lado em benefício de reivindicações concretas. É uma das mudanças em curso no movimento sindical, que está a ser posta em prática por novos movimentos e que responde com mais eficácia ao que é hoje o mercado de trabalho, adiantam investigadores.

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Motoristas de transporte de mercadorias perigosas estão em greve LUSA/MÁRIO CRUZ

É a quarta vez no último ano que sindicatos recém-constituídos ou que se mantêm independentes trocam as voltas ao sistema pondo em causa o funcionamento de sectores essenciais e ameaçando mesmo paralisar o país. Sucedeu agora com a paralisação de 700 motoristas do sector privado, liderada por um sindicato que tem apenas quatro meses e que assume com orgulho nada ter a ver com partidos ou com as duas centrais sindicais existentes. 

Antes tinha acontecido com os professores com uma greve de mais de um mês às avaliações dos alunos promovida pelo então novo sindicato Stop. Foi assim com os estivadores com uma paralisação entre Novembro e Dezembro, que fez cair as exportações.

E também com a chamada greve cirúrgica de enfermeiros dos blocos operatórios, uma ideia lançada por um grupo espontâneo de profissionais que entre Novembro de 2018 e Fevereiro passado levou ao cancelamento de milhares de cirurgias.

Ressalvando não querer fazer “futurologia”, o sociólogo Filipe Carreira da Silva adianta “que este tipo de reivindicação deverá aumentar no futuro, sobretudo se as estruturas sindicais tradicionais não mudarem de forma significativa”.

São greves que têm na base motivos “menos ideológicos do que laborais, já que não visam atacar o governo ou as instituições mas antes a melhoria das condições de trabalho dos profissionais em causa”, contrariando assim a “agenda ideológica clara” que tem estado sempre subjacente às estruturas sindicais que estão no terreno há décadas, prossegue este investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa.

Filipe Carreira da Silva frisa que estes novos movimentos sindicais pautam-se pela “rejeição de líderes e de mediações partidárias, preferindo a acção directa, descentralizada e casuística”. “Significa isto que estarão mais abertos a acções com o maior impacto possível”, diz.

“Se pararmos dois, três dias, pomos Portugal no caos. Temos perfeita noção disso”, assumiu um dos dirigentes do novo Sindicato Nacional de Motoristas de Matérias Perigosas.

Para o dirigente do Sindicato de Todos os Professores (Stop), André Pestana, trata-se de uma equação simples. “Nas greves que não fazem mossa quem se desgasta são os trabalhadores, que perdem salário para quase nada. É por isso, para não serem inócuas, que as formas de luta têm de pôr em causa o status quo”. É isso que está a ser feito pelos novos movimentos, diz Pestana. Que deixa uma garantia: apesar de ter desaparecido dos media, o Stop continua a “inovar” estando agora particularmente apostado em conseguir que as escolas se tornem em territórios livres de amianto.

A investigadora do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, Dora Fonseca, que tem analisado a evolução do sindicalismo e dos movimentos sociais, chama a atenção também para o facto de as greves gerais, como as realizadas no período da troika e que têm sempre “um cariz mais político”, estarem a perder terreno para paralisações sectoriais “com reivindicações mais específicas respeitantes a sectores profissionais concretos”, que têm a ver por exemplo com a valorização profissional ou a exigência de salários mais elevados. Por essa razão “precisam de causar algum dano para que as suas reivindicações possam vir a ser atendidas”, adianta.

Sindicalizados em queda

Dora Fonseca lembra, por outro lado, a “ligação indissociável que sempre tem existido entre sindicatos e partidos políticos”, para referir que não põe de lado a hipótese dos novos movimentos serem “a expressão de uma força política mais radicalizada que pretende deste modo ganhar presença no mercado de trabalho”. Seja como for, alerta, a multiplicação de novas estruturas, que pode ser um sintoma de que as existentes “não estarão a dar as respostas necessárias”, poderá conduzir ao “enfraquecimento do movimento sindical”.

O que já é uma realidade, como mostram os dados compilados pela base ICTWSS disponibilizada pela Universidade de Amesterdão, que reúne entre muitos outros indicadores informação sobre o movimento sindical em 48 países. Os últimos dados dizem respeito a 2014. Nesse ano, somando sector público e privado, o número de trabalhadores sindicalizados rondava os 723 mil, o que representa 18,5% dos profissionais assalariados. Em 1990, com 900 mil sindicalizados, esta proporção era de 28%. No sector privado, esta taxa rondará os 8%.

“As sociedades e as economias têm mudado de forma acelerada e aquilo que funcionava há 50 ou 100 anos dificilmente vai ter hoje os mesmos resultados”, alerta Filipe Carreira da Silva, que deixa também outro aviso decorrente deste: “O mundo do trabalho está a mudar e os sindicatos têm de acompanhar essa mudança sob pena de ficarem para trás”.

É o que se passa, por exemplo, em relação ao universo em crescimento dos trabalhadores precários, que pouco acolhimento tem tido entre os sindicatos tradicionais embora representem já 22,3% da população empregada.

Notícia actualizada às 10h43

Ouça aqui o podcast P24 sobre o tema:

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