O Pátio d’as Marias podia ser a mercearia da nossa avó

Mina e Eunice têm uma mercearia, que é um pátio com uma mesa familiar cheia de vizinhos à sua volta. “Temos uma verdadeira paixão pelos produtos tradicionais portugueses.”

Fotogaleria
Inês Fernandes
Licor
Fotogaleria
Inês Fernandes
Fotogaleria
Inês Fernandes
Fotogaleria
Inês Fernandes

É uma mercearia fina que tenta ter o que as mercearias antigas tinham. É uma cave com uma mesa grande, abajures e móveis de família e copos Riedel para brindar com a vizinhança. É uma garrafeira fresca e escondida como um segredo bem guardado. O Pátio d'as Marias, no número 269 da Rua de Cedofeita, no Porto, são três zonas que se fundem no palato. São duas Marias — Mina e Eunice — que falam com orgulho dos produtos que exibem nas suas prateleiras. Conhecem os enólogos e os lavradores, distinguem as doceiras e as queijeiras, escolhem a dedo, sentidos alerta, os pequenos produtores com grandes produtos de Portugal.

“Temos orgulho nos nossos produtos”, lança Eunice enquanto apresenta o recheio dos móveis e das prateleiras do Pátio como obras de arte expostas num museu. “É uma mercearia diferente”, diz esta Maria, “habituada a comer de tudo” e a “comer bem”, isto é, “produtos artesanais e regionais”. “Este meu gosto vem do passado. Naturalmente, o meu palato puxa para esse lado”, explica uma das “curadoras” do espaço (trabalhou 15 anos com José Silva, apresentador do programa televisivo A Hora de Baco) que adora percorrer o país à procura daquele produto que ainda falta na colecção. “Nas últimas semanas, fui todos os domingos a uma feira na serra da Estrela.”

Como noutros tempos, no Pátio as pessoas têm direito a atendimento personalizado e acesso a produtos “de nicho, de grande qualidade, de pequenos produtores que nos fazem lembrar outros tempos, a comida das nossas avós”, sublinha Mina, 30 anos de trabalho com vinhos, embaixadora de pequenos produtores (tradução: “Quem tem terra, quem tem vinha, quem só engarrafa o que produz sem comprar uvas ou vinho, trabalhando as castas de cada região"). “Temos orgulho na nossa cultura vinícola”, sublinha. “E nos produtores que lançam apenas 900 garrafas, mil ou duas mil garrafas. São estes mimos que temos que levar à boca das pessoas. Queremos preservar a memória com as papilas gustativas.”

Foto
Inês Fernandes

Não há produto sem o nome de quem o idealizou — e sem uma história. Para além dos vinhos (destacam-se os enólogos Anselmo Mendes e Virgílio Loureiro, o Vinho do Porto com as marcas Noble & Murat e Vieira de Sousa e o Vinho da Madeira Barbeito), há raminhos de louro, orégãos em folha e em ramo, alecrim, tomilho e malaguetas, há azeitonas britadas em azeite ou salmoura (Hélder Madeira), vinagre Moura Alves, mil e um produtos de maçã reineta (Quinta da Reineta: vinagre, maçã desidratada, lingotes, marmelada...), compotas Coisas Boas da Avó ("mesmo uma avó que descobri em Gouveia”, aponta Eunice) e Alquimia dos Sabores (morango com tomilho, chuchu, malagueta, nabo, curgete e cardamomo, beterraba e cenoura, batata-doce roxa...), marmeladas tradicionais e com açúcar de coco. 

Também há As Carrapinhadas (de amêndoa, amendoim e avelã com flor de sal, pimenta rosa e canela), amêndoas feitas à mão à moda de Portalegre, aguardentes de figo e de medronho (Pecoliva, aguardentes regionais do Algarve), sumos de maracujá e laranja (da açoriana Mic-Mac), ginja conventual alentejana (Franciscana), infusões de ervas Soalheiro (directamente das caves da Quinta de Soalheiro: alcachofra, alecrim, cidreira, hortelã pimenta chocolate, hortelã verde, lúcia-lima, perpétua vermelha, tomilho e tomilho-limão), flor de sal de Castro Marim, bolachas (Dona Bolacha & Companhia), petiscadas Saboreal (atum com batata-doce e coentros; carapau com cenoura e coentros), bacalhau e perdiz de escabeche (Bela Cozinha), manteiga Avó Irene (100% de amendoim, caju e amêndoa), manteiga artesanal Rainha do Pico, enchidos de porco bísaro (Grão a Grão da Quinta das Poldras: presunto com 24 meses de cura, salpicão do cachaço, alheiras com cogumelos, azedos de vinhais, mulatos de chila, casulas...), enchidos “de uma senhora de Moncorvo”, lombos de bacalhau (Caxamar), azeite biológico (Manso), folar e pão de centeio cozido em forno de lenha e uma grande selecção de queijos ("trabalho árduo") da serra da Estrela, dos Açores (inclusive o São Jorge Finisterra de onze quilos), de Castelo Branco e Terrincho DOP (Ti Fatita).

Foto
Inês Fernandes

“Aos pouquinhos”, o Pátio d'as Marias enche-se — de produtos e de visitantes. Mina, 55 anos, apresenta-o como “um cantinho original”. “Queremos sentar os nossos visitantes, explicar os produtos e a terra de onde vêm com todo o tempo do mundo. Queremos que este espaço seja das pessoas, que seja um pátio de convívio”, diz esta Maria, que gosta de tratar as pessoas de Cedofeita por vizinhos — e de os convidar para o seu Pátio. “Temos uma verdadeira paixão pelos produtos tradicionais portugueses”, diz Mina. “Tentamos ter o que as mercearias antigas tinham”, junta Eunice, 42 anos.

Todos os produtos podem ser apreciados na cave da loja (já faz parte de alguns dos muitos percursos gastronómicos que circulam pela cidade), que também serve de espaço de degustação, de provas e de workshops. É o verdadeiro pátio, onde um grupo de amigos pode apenas abrir uma garrafa, petiscar e aventurar-se (cuidado com a cabeça) no esconderijo de vinhos do Porto datados, aguardentes velhas e vinhos raros para ocasiões especiais.

O número 269 da Rua de Cedofeita já foi uma loja de cosmética — e só usava o rés-do-chão. Foi ocupado por duas Marias, “mulheres portuguesas, atrevidas, empreendedoras” que decidiram reinventar-se e ao mesmo tempo dar a conhecer “a essência” de Portugal. Sentadas à mesa, no coração da mercearia, imaginam que esta “era a cave de uma avó”.

Sugerir correcção
Comentar