A Casa do Douro e um editorial

São estas as “mudanças” que Manuel Carvalho pretende? Estranhamente, não as enunciou.

Depois de Ascenso Simões, vamos aos argumentos de Manuel Carvalho (MC). 

O “regresso (...)" ao "corporativismo de Salazar!” MC não deu por ela, mas a Revolução de Abril liquidou a organização corporativa! Ter uma estrutura com uma direcção eleita por todos os vitivinicultores do Douro ou comandada pelos Procuradores Natos, os grandes proprietários de cada concelho, vale o mesmo? Não se percebe a diferença da democracia? Não se percebe a manutenção de um mesmo conjunto de atribuições e competências da função regulatória da mais complexa região vitivinícola do país (talvez do mundo)? Mas a situação, financeira inclusive, da Casa do Douro não resultou da sua perda, em nome de um putativo modelo comunitário, que não existe? Por exemplo, a retirada do monopólio da aguardente vínica.

Os “privilégios corporativos", os "negócios insensatos" e "gestores arrivistas e irresponsáveis”. Seria bom que MC esclarecesse este arrazoado. O que MC quer dizer é que directores (não gestores) da Casa do Douro, eleitos pelos viticultores, cometeram erros de gestão, fizeram “negócios insensatos"? Sim, talvez. Mas o seu maior erro, o indesculpável, foi não terem mobilizado o povo do Douro contra o “assassinato a sangue frio”, de forma programada e persecutória, da Casa do Douro pela política de direita de sucessivos governos do PS, PSD e CDS! A Casa do Douro foi sangrada em vida com a retirada de receitas, transferidas para exportadores (caso da aguardente vínica), para o IVDP (caso do cadastro) – e, por via deste, receitas do Douro para as Finanças Públicas/OE! Até das suas cotizações foi roubada! E espoliada de receitas, prometidas e garantidas por inúmeros protocolos, assinados por ministros e secretários de Estado e nunca cumpridos. Mesmo o tal negócio “insensato” foi um buraco, graças a um ministro da Agricultura. O actual.

Uma dívida ao Estado "de 160 milhões" e uma "solução que (...) jamais poderia ser perfeita”. Absolver “a solução” do Governo PSD/CDS Coelho/Portas/Cristas, em nome de males maiores, de que era a única, não lembra ao diabo! Esta foi “a solução” para entregar à CAP um património de todos os viticultores durienses, via da tal Federação Renovação do Douro – sem qualquer representatividade ou história na Região Demarcada! E à “dívida de 160 milhões” dever-se-ia contrapor os milhares de milhões gastos pelo erário público com os “negócios insensatos” de banqueiros sem “privilégios corporativos”, mas com os privilégios do grande capital. Com uma diferença, a dívida da Casa do Douro tinha e tem uma garantia, os seus stocks de vinho do Porto.

O Bloco e o PCP "defensores da mão de ferro do Estado" sim, mas o PS "questionar o principio da liberdade de associação”, não. MC não quer a “mão de ferro do Estado”, a não ser sob a forma do IVDP. Não quer a vontade democrática dos viticultores, mas quer a mão exploradora do “oligopólio dos exportadores” a comandar o Douro. MC conhece a especificidade única da Região Demarcada. Sabe que há uma coisa chamada benefício (ao contrário dos ministros de A. Simões). MC sabe que os vitivinicultores para produzir DOC, fabricarem Vinho do Porto, têm que estar inscritos – inscrição obrigatória – num instituto público, o IVDP! Mas há um modelo na UE? Vê-se que conhece mal outras regiões demarcadas da Europa. O que obrigava o Douro a copiá-las? E não há associações profissionais de inscrição obrigatória no ordenamento jurídico português? Calcule-se que, para exercer advocacia, os advogados têm que estar inscritos numa dita Ordem e pagar quotas! 

Mudar "regras de gestão (...) com 70 anos”, “acompanhar o sinal dos tempos", "para reequilibrar a lamentável distribuição da riqueza gerada (...)” “(...) na mais rica região agrária do país (...)!” Qual é o sinal dos tempos, MC? O velho liberalismo? O que havia antes daqueles 70 anos? O novo liberalismo, o dito neoliberalismo das políticas que destruíram a Casa do Douro? O “sinal” e solução é a expulsão da produção de vinho de milhares de pequenos viticultores, através de um resgate da sua produção e direitos, concentrando-a nos maiores? E o fim do benefício? São estas as “mudanças” que MC pretende? Estranhamente, não as enunciou.

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