EUA mudam abordagem no 5G para convencer aliados na “guerra” com a China

Falta de apoio dos aliados e a posição alemã levou Washington a mudar a abordagem: “Não queremos banir tecnologia, queremos que escrutinem empresas que tenham sido maus actores.”

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Robert Strayer, do Departamento de Estado, responsável pela cibersegurança dos EUA Rafael Marchante/Reuters

A campanha internacional de Washington contra a participação de empresas chinesas como a Huawei e a ZTE na quinta geração móvel (5G) teve mais um episódio. Mas com uma diferença no discurso, uma diferença tão subtil que quase não se dá por ela. Em vez de pedir aos aliados do Ocidente que excluam os chineses, como tem feito até aqui, Washington pede agora que esses países adoptem “quadros regulatórios que excluam empresas que não sejam de confiança”. Porém, no fundo, nada muda: os EUA querem ver a Huawei e a ZTE fora do 5G no Ocidente.

A nuance discursiva tornou-se evidente nesta quarta-feira, durante uma teleconferência promovida pelo Departamento de Estado (que tutela os Negócios Estrangeiros). Até ao momento, nenhum governo europeu mostrou alinhar individualmente com a administração de Donald Trump neste tema. E isso terá levado os EUA a mudar ligeiramente o argumento, apostando numa mensagem mais centrada na necessidade de um “quadro regulatório”, como se ouviu durante esta chamada.

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Num dos lados da linha, estava Robert Strayer, vice-secretário-adjunto do Departamento de Estado para a Comunicação Cibernética e Internacional e para a Política de Tecnologia de Informação. Do outro lado da linha, jornalistas norte-americanos e europeus (incluindo o PÚBLICO), que horas antes tinham sido convidados por email para este "briefing” telefónico.

Argumento velho, nova abordagem

Rapidamente se percebeu que a novidade não estava nos argumentos, mas na abordagem. Washington montou uma campanha de lobby contra a Huawei e a ZTE, duas empresas que estão aliás acusadas de crimes diversos nos EUA. E a chamada, com direito a perguntas, foi mais um episódio dessa campanha, que já tinha passado por Portugal, quando no final de Fevereiro, uma comitiva liderada pelo presidente da Comissão Federal de Comunicações (a FCC, regulador das comunicações e radiodifusão) veio a Lisboa reunir-se com representantes do governo português e outras partes interessadas.

Nessa altura, foi dito que os EUA não querem a Huawei nas redes 5G em Portugal. Caso contrário, ficará em causa a colaboração entre governos aliados, no quadro da NATO, designadamente no que toca à partilha de informações dos serviços secretos, militares ou científicas. O que Robert Strayer agora afirma mostra uma subtil diferença na mensagem, mas que não ameaça aquela que tem sido sempre a meta da Casa Branca: riscar os chineses do negócio.

“Temos encorajado países a adoptar quadros regulatórios que tenham em conta os riscos para os quais temos chamado a atenção de uma forma consistente. Pensamos que a aplicação rigorosa desses quadros regulatórios, que levem em conta eventuais riscos da cadeia de fornecimento e a relação entre um fornecedor de infra-estruturas para o 5G e o respectivo Governo, conduzirá, inevitavelmente, à exclusão de empresas como a Huawei e a ZTE”, sustentou Robert Strayer.

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Donald Trump disse numa mensagem n Twitter, a 21 de Fevereiro, que quer "o 5G e o 6G nos EUA o mais cedo possível" e quer as empresas norte-americanas na linha da frente Reuters

Como se explica esta nuance na abordagem política do que os norte-americanos entendem ser um problema de grande relevância, dado o impacto transversal que o 5G vai ter na economia e na sociedade nos próximos anos? A falta de apoio dos aliados.

A “ajuda” alemã

Para desgosto de Donald Trump, o apelo dos EUA não tem tido tanto eco na Europa, onde líderes governamentais como a chanceler alemã, Angela Merkel, ou o primeiro-ministro português, António Costa, garantiram que não actuariam individualmente contra uma empresa específica. Por isso, Washington muda algo para que tudo fique na mesma. E até recorre à Alemanha como um “exemplo” do que pretende ver generalizado.

“Neste momento, estamos a pedir aos nossos aliados que adoptem critérios de segurança tal como estamos a ver na Alemanha”, advogou Strayer, cuja equipa superintende as questões da cibersegurança e da espionagem no Departamento de Estado. “Penso que se deu ali um passo positivo. Sabemos que ainda não é uma posição final, mas a Alemanha diz que vai apertar as normas do segredo e da protecção de dados. Se for assim, será difícil adoptarem tecnologia chinesa”, tendo em conta que o Governo chinês obriga as empresas a ceder dados aos serviços de informação de Pequim, acrescenta

Strayer aludia assim à solução pensada por Berlim, e que a Casa Branca considera “perfeita": “adoptar normas de segurança tão rígidas” que, na prática, os fornecedores chineses “não teriam qualquer hipótese” de concorrer à rede 5G na Alemanha. Essa é, segundo noticiou o jornal Frankfurter Allgemeine Zeitung, a 7 de Abril, a posição do governo alemão, que está neste preciso momento a leiloar as frequências da rede 5G.

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A chanceler alemã, Angela Merkel, recusa excluir tecnologia chinesa. A posição de Berlim terá aberto a porta a uma mudança de abordagem dos EUA Reuters

Em Março, Washington e Berlim envolveram-se numa troca de correspondência através do embaixador dos EUA na Alemanha. Este pedia a exclusão da Huawei, Berlim recusou agir contra uma empresa específica. O secretário de Estado, Mike Pompeo, por seu lado, insistiria que os EUA deixariam de partilhar informações críticas com aliados que fizessem negócio com a Huawei, mas a opção alemã, segundo aquele jornal de Frankfurt, conotado com o centro-direita (que está no poder com o governo da CDU de Merkel), recaiu numa abordagem que, aos olhos da administração norte-americana, serve na mesma os interesses dos EUA. 

O PÚBLICO colocou três questões a Robert Strayer: O que vão fazer os EUA tendo em conta que nenhum governo europeu alinhou por agora com as posições norte-americanas? Foram apresentadas, aos governos que têm sido contactados, provas sobre a falta de fiabilidade da tecnologia chinesa? Num mercado até aqui aberto, não seria mais apropriado, na defesa do mercado livre e dos consumidores, resolver as questões com a Huawei em vez de interferir politicamente num mercado para excluir concorrentes?

Quanto a provas, Strayer considera “especulativo” falar de provas, porque o 5G ainda está em desenvolvimento. Ao invés, aponta para o risco de “espionagem”, dada a legislação chinesa, enumera as vulnerabilidades do 4G e a forma como a China “trata os cidadãos em termos de dados de ADN, reconhecimento facial”. “A China identifica pessoas pela religião que professam e envia-as para treinos de reeducação. Isso deveria levar-nos a ter mais cautelas”, sustenta.

Sobre a falta de apoio na Europa, o mesmo responsável considera que “o processo está no ponto em que deveria estar”. Na óptica norte-americana, a Alemanha deu um “exemplo”, a França (que recebeu há dias o Presidente Xi Jinping) também estará “no caminho certo” com a lei que está na Assembleia Nacional para apertar a segurança do 5G e há decisões e recomendações comunitárias que apontam no sentido de haver um quadro de normas comum para lidar com eventuais riscos, salientou.

“Não estamos a pedir que excluam tecnologia, estamos a apontar para a necessidade de um quadro regulatório e para que empresas que tenham sido maus actores no passado sejam escrutinadas”, insistiu Strayer, argumentando que a Huawei está a contas com a justiça norte-americana por violar sanções contra o Irão e roubar propriedade intelectual. Casos que estão nos tribunais, tal como está um processo da Huawei contra os EUA, por ter proibido a compra dos equipamentos de telecomunicações pelos serviços públicos. O grupo chinês garante a fiabilidade da tecnologia e segurança das operações e vai pedir o pagamento de compensações e juros pelas “restrições inconstitucionais” que a impedem de fazer negócios com a administração norte-americana.

Quanto à terceira questão, o mesmo responsável, acabaria por não responder. Mas antes tinha dito que não havia contactos com a Huawei. E salientou que o 5G era composto por “centenas de milhões de linhas de código” e que bastaria uma falha numa delas para pôr em risco a segurança das redes. Escrutinar esse código não é o caminho que os EUA defendem.

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