Líderes europeus dão mais tempo para o “Brexit”, mas quanto mais?

A dúvida à entrada para a cimeira extraordinária sobre o “Brexit” era se a segunda extensão do prazo será “curta”, como pediu Theresa May, ou “longa”, como defende Donald Tusk. Mas a saída abrupta na sexta-feira está totalmente fora de causa.

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Theresa May recebida em Berlim por Angela Merkel Hannibal Hanschke/Reuters

Qual poderá ser a nova data do “Brexit”? Apesar das ameaças do Presidente francês Emmanuel Macron, os líderes europeus que esta quarta-feira reúnem numa cimeira extraordinária, em Bruxelas, para responder a mais um pedido da primeira-ministra britânica, Theresa May, para uma nova extensão do prazo de aplicação do artigo 50.º, mantêm-se firmes no seu propósito de evitar uma saída abrupta, desordenada e caótica do Reino Unido da União Europeia já nesta sexta-feira. Estão, portanto, disponíveis para conceder mais tempo para que a líder conservadora consiga finalmente concertar uma maioria para a ratificação do acordo de saída. Mas quanto tempo mais: até às eleições para o Parlamento Europeu?; até ao início do Verão?; até ao fim deste ano?; até 12 de Abril do próximo ano?

Ao fim de dois anos intensos de negociações com o Reino Unido, em que os 27 mantiveram uma frente unida e afinaram por uma só voz, os chefes de Estado e governo chegam a Bruxelas divididos e abertamente em desacordo sobre o caminho a seguir no processo do “Brexit”. Porém, a fractura que separa a UE em dois campos não é insanável: nenhum país da UE está interessado, ou disposto, a atirar o Reino Unido para o abismo do “no-deal” nas próximas 48 horas. As dúvidas são de natureza “processual” e não estrutural ou ideológica. “O no-deal nunca será uma decisão da União Europeia”, afirmou o negociador da UE para o “Brexit”, Michel Barnier.

Por isso, a questão que os líderes se preparam para mais uma vez colocar à primeira-ministra britânica, esta quarta-feira, é para que serve a extensão do prazo. A resposta, avisaram, tem de ir além de uma breve explicação da utilidade de um novo adiamento da data do “Brexit”. Antes de decidir a sua resposta, os 27 querem conhecer o plano de Theresa May para a conclusão do processo de divórcio: medidas “concretas” em vez de promessas vagas, que possam sustentar uma decisão que é exclusivamente política. Afinal, e como sempre nota Michel Barnier, os custos económicos e políticos da actual indefinição não afectam só o Reino Unido.

Na carta enviada ao presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, a primeira-ministra insiste que precisa do prolongamento para negociar a ratificação do acordo de saída — o tratado de 585 páginas e três anexos que define o quadro jurídico do divórcio em termos dos direitos dos cidadãos da UE e do Reino Unido, dos compromissos financeiros para o orçamento comunitário e do regime especial para a fronteira entre a Irlanda e a Irlanda do Norte, o controverso “backstop” que preserva o status-quo fixado pelo Acordo de Sexta-feira Santa.

Depois de três chumbos em outras tantas votações parlamentares, a expectativa da líder conservadora é que as conversações que estão em curso com a oposição trabalhista — e que se admitia pudessem levar à revisão das suas famosas linhas vermelhas sobre o tipo de relacionamento entre Londres e Bruxelas após o “Brexit” — sejam suficientes para desbloquear o impasse na Câmara dos Comuns. Para já, não há sinais disso.

Um problema adicional para May é que os seus parceiros europeus também assistem à BBC e lêem a imprensa britânica. A exibição da ignorância de alguns dos mais influentes políticos britânicos sobre o funcionamento da UE, aliada ao espectáculo diário de conspirações, golpes e contragolpes em Westminster, só contribui para alimentar a desconfiança dos europeus — e a sua renitência em acomodar a mudança do calendário do “Brexit” para a data de 30 de Junho sugerida por May.

Acresce que, no último Conselho Europeu de 21 de Março, os líderes europeus já tinham apontado uma razão de força para desconsiderar essa nova data à partida: as eleições para o Parlamento Europeu, que se desenrolam entre 23 e 26 de Maio, e nas quais o Reino Unido está obrigado a participar (mesmo contra vontade) se entretanto não tiver accionado o artigo 50.º e concretizado a saída da UE.

Obstinada, Theresa May voltou à carga. Na carta endereçada a Tusk, escreveu que ainda tem esperança de aprovar o acordo de saída antes das eleições europeias. Mas para retirar esse “obstáculo” do caminho, deu instruções ao seu Governo para iniciar todos os procedimentos legais para a convocação e organização da votação para o Parlamento Europeu, e ao seu partido para avançar com a constituição da lista de candidatos.

Eleições problemáticas

Mas a participação do Reino Unido nas europeias, que é uma das condições da UE para autorizar uma extensão do prazo além de 22 de Maio, levanta uma série de problemas políticos com que vários Estados membros preferiam não ter de lidar. Desde logo, comprometem a projectada recomposição do Parlamento Europeu, com a redução do actual número de 751 eurodeputados. Segundo uma grelha de distribuição negociada por esta legislatura, alguns dos 73 assentos dos britânicos seriam atribuídos a outros países que se vêem “prejudicados” na sua representatividade, com outros a permanecer abertos para futuros alargamentos da UE. Com as listas prontas e a campanha em curso, haverá inevitavelmente candidatos com expectativas de eleição goradas pela permanência do Reino Unido.

A questão mais delicada prende-se, contudo, com o equilíbrio de forças na futura legislatura. Perante a previsível dispersão dos votos no continente dos tradicionais partidos do centro para formações nas duas margens do espectro político, a presença da delegação britânica poderá baralhar as contas no desenho de novas maiorias, tornando a bancada dos eurocépticos e o grupo dos Socialistas e Democratas mais competitivos face ao dominante Partido Popular Europeu. Não é por acaso que Manfred Weber, o líder da bancada de centro-direita e Spitzenkandidat (cabeça de lista) do PPE para a presidência da Comissão, se mostra pouco entusiasmado com esta possibilidade.

E acima disto ainda existe o receio de um eventual “boicote” ao normal funcionamento das instituições por parte dos britânicos que vierem para Bruxelas com um mandato a prazo. Essa foi claramente a instrução dada pelo líder da facção eurocéptica no Parlamento britânico, Jacob Rees-Mogg, que recomendou no Twitter que os novos eleitos sejam “tão difíceis quanto possível”, e “vetando qualquer aumento do orçamento, obstruindo um putativo exército europeu e bloqueando os esquemas integracionistas do senhor Macron”.

Michel Barnier descreveu esse comportamento como” intolerável” O primeiro-ministro holandês, Mark Rutte, recordou o dever de “cooperação sincera” que é partilhado por todos os membros da UE. “Uma decisão positiva depende de garantias do Reino Unido nessa matéria”, observou.

Condições rigorosas

Esta terça-feira, depois de uma ronda de contactos telefónicos para várias capitais, a primeira-ministra britânica passou por Berlim e Paris para apresentar os seus argumentos ao vivo e em primeira-mão aos dois líderes que assumiram o papel de porta-voz dos dois campos em disputa no Conselho Europeu. A chanceler alemã, Angela Merkel, é a polícia boa que promete fazer “tudo o que for possível, até ao último momento” para garantir um divórcio civilizado e amigável entre o Reino Unido e a UE. E o Presidente de França, Emmanuel Macron, o polícia mau que não se importa de mostrar os músculos para provocar a acção. No Eliseu, a narrativa do polícia bom/polícia mau é vista como “um disparate”.

O argumento de Macron é de que a política europeia não pode continuar a ser contaminada (a palavra que gosta de usar é “poluída”) pela indecisão do Reino Unido. Mas o líder francês também está preocupado com o impacto do “Brexit” na política interna, principalmente com Marine Le Pen em campanha eleitoral.

Além da França, o grupo dos países relutantes em alimentar a incerteza, ao conceder uma extensão mais alargada ao Reino Unido inclui a Áustria, a Bélgica, a Eslovénia e a Espanha. No último Conselho Europeu, Portugal esteve ao lado dos países mais benevolentes, dispostos a prolongar o prazo para garantir uma saída ordenada.

Há três semanas, os líderes aceitaram a solução de compromisso encontrada pelo presidente do Conselho Europeu para pôr fim a um debate que já levava horas. Desta vez, Donald Tusk antecipou a discussão, sugerindo a hipótese de um prolongamento das negociações por mais um ano, com o “Brexit” a ser possível a qualquer altura, tornando-se automático com a aprovação do acordo de saída pela Câmara dos Comuns.

“A extensão seria flexível, porque duraria enquanto fosse necessária mas nunca por mais de um ano, porque depois dessa data vamos ter de decidir unanimemente sobre alguns projectos europeus que são vitais”, defendeu Tusk, na sua habitual carta de convite aos líderes, em que aponta duas vantagens da sua proposta. “Evitava-se a repetição de cimeiras sobre o ‘Brexit’. Mas mais importante, acrescentava-se alguma certeza e previsibilidade, com a remoção desta ameaça constante da queda no precipício”, escreveu.

A ideia da “flexibilidade” é apreciada, mas um prazo tão distendido até Abril de 2020 será difícil de aceitar, mesmo pelos adeptos de uma extensão longa. O consenso estará a formar-se em torno de um adiamento de nove meses, ou seja até ao fim do ano. A maior parte dos líderes compreende que o nó político em Londres exige tempo para ser desatado, mas teme que sem a pressão do calendário, o Governo de May não tenha outros incentivos para concluir o processo. E é por isso que qualquer adiamento do prazo vai incluir condições a cumprir “rigorosamente” pelos políticos britânicos.

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