O fim dos jornais em papel não deverá acontecer em 2029

Investigador do ISCTE defende que “talvez a maior esperança para os jornais” passe por deixar de “mimetizar estratégias de hiper-comercialização de notícias e info-entretenimento” para abraçar “a singularidade de um jornalismo pericial e credenciado”.

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Investigador do ISCTE analisou os dados que apontam para as quebras na venda de jornais em papel Adriano Miranda

O título do estudo de Tiago Lima Quintanilha, “2029 – o fim dos jornais em papel em Portugal?”, é um exercício “quase provocatório” sobre um cenário que “provavelmente” não acontecerá, esclarece o investigador do ISCTE ao PÚBLICO. E chama a atenção para o que se passa em outros pontos do mundo: “Na Índia, por exemplo, os dados do World Press Trends mostram-nos que a venda e consulta de jornais em papel tem crescido todos os anos.”

Apesar disso, o título traduz uma preocupação real: Tiago Lima Quintanilha analisou o desempenho de 15 títulos de imprensa escrita em Portugal, no que respeita à circulação impressa paga e os resultados “apontam para um decréscimo continuado do número total de exemplares vendidos no formato físico, entre os anos de 2008 e 2017”, com um declive “especialmente acentuado” entre 2011 e 2012.

Tal pode ser explicado de duas formas: coincide com o período da troika, mas também pode “ser o resultado das alterações nas dietas de consumo de notícias dos portugueses” na “era da normalidade digital”, com “os hiper-consumos online de notícias e a fragmentação de hábitos de consumo”.

O investigador admite que a crise no sector é de difícil resolução. “Os utilizadores de Internet e de plataformas móveis não estão à partida susceptíveis a pagar por notícias”, diz, acrescentando que “a digitalização” trouxe “uma redução do valor económico da notícia, o que resulta numa dificuldade acrescida em gerar receita na era dos hiper-fluxos informativos”. Há muitas outras razões, o “desinvestimento publicitário” é só mais um problema. A questão que “mais pessimismo” lhe suscita é a da precariedade: “o fazer mais com menos, de mais formas e mais depressa”.

Para este investigador, há, no entanto, “esperança”: “Basta perceber o impacto que os fluxos de desinformação e fake news tiveram no rescaldo das últimas eleições americanas no aumento do número de subscrições no New York Times e Washington Post”, diz, defendendo que “talvez a maior esperança para os jornais e para o jornalismo esteja” em “deixar de tentar mimetizar estratégias de hiper-comercialização de notícias e info-entretenimento para captar audiência, para abraçar definitivamente a singularidade de um jornalismo pericial e credenciado capaz de fazer face aos sub-jornalismos e jornalismos derivativos sem qualquer tipo de interesse público”.

O professor universitário, que foi jornalista na RTP e no PÚBLICO, António Granado põe o dedo nas mesmas feridas. “Saber as audiências ao minuto faz com que as direcções trabalhem para a audiência, para a notícia que está a dar. As plataformas permitem saber quais as notícias mais virais, mesmo que seja sobre um crocodilo que comeu uma cobra. Mas nós temos de pensar se é esse o caminho que queremos seguir”, afirma, acrescentando que a rapidez em dar a notícia não pode sobrepor-se ao rigor.

“Cada vez que um jornal de referência publica algo não verificado e não verdadeiro é um prego no caixão do jornalismo”, alerta, admitindo, no entanto, que “a situação do sector é extremamente difícil” e que uma das soluções poderá passar pelo mecenato, desde que esteja garantida a independência do jornalismo.

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