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Fazer e divulgar fake news pode vir a ser punido

Estudo da ERC entregue na Assembleia da República defende reforço dos instrumentos legais e mais mecanismos para fomentar a literacia para os media.

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A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) sugeriu ao Parlamento que pondere a criação de legislação para definir e sancionar a desinformação online. A proposta faz parte de um conjunto de medidas para combater um fenómeno também conhecido por fake news e que tem motivado preocupação da parte de entidades europeias e nacionais numa altura em que se aproximam as eleições para o Parlamento Europeu.

Num estudo entregue nesta quinta-feira, e feito a pedido do presidente da Assembleia da República, a ERC defende a “necessidade de consolidação do conceito de desinformação e a eventual consagração de norma específica que preveja a sua divulgação como conduta reprovável”. Hoje “não há qualquer disposição legal que considere as fake news ilícitas e que permita punir os seus autores e divulgadores”, diz ao PÚBLICO o vice-presidente da ERC, Mário Mesquita, supervisor do estudo.

Para isso, é preciso também que o Parlamento redefina a noção legal de órgão de comunicação social, de forma a “considerar também os que reproduzem, agregam e difundem online conteúdos de comunicação social”, descreve Mário Mesquita, lembrando que as actuais competências da ERC sobre o cumprimento do rigor informativo não abrangem as plataformas online - “que é o nó górdio de tudo isto”, admite o responsável. Isto implicaria ainda mudanças nas leis da televisão, rádio e imprensa.

O regulador também coloca a hipótese de divulgar, em conjunto com órgãos de comunicação e plataformas digitais, listas de sites que publicam desinformação, como forma de ajudar o público a perceber a origem dos conteúdos que circulam online.

A presidente da Comissão de Cultura e Educação, que irá organizar uma conferência sobre o assunto no Parlamento no dia 15 e em que será apresentado o estudo em detalhe, disse ao PÚBLICO esperar que os partidos tomem alguma iniciativa legislativa a partir das sugestões da ERC. Edite Estrela admite que seja mesmo o PS, que há um mês apresentou apenas uma recomendação ao Governo para criar uma estratégia de combate à desinformação – e impediu que os outros partidos fizessem propostas -, a ir agora mais longe e propor algumas alterações legislativas.

Porém, a socialista avisa que “o principal problema é o timing”, não sabendo se “haverá condições” para, até Julho, fazer alguma coisa pelo menos na questão da “redefinição da noção de órgão de comunicação social” como pede a ERC, ou para dar poderes à entidade reguladora para intervir ao nível do digital, que hoje não está nas suas competências.

A desinformação online tornou-se um tema de discussão após as eleições presidenciais norte-americanas de 2016, quando surgiram múltiplos indícios de que entidades fora dos EUA, incluindo entidades russas, tinham procurado manipular opiniões de cidadãos americanos através das redes sociais e de sites criados para o efeito. As estratégias incluíam a disseminação de publicidade, a criação de grupos no Facebook sobre temas potencialmente fracturantes, como o racismo ou a posse de armas, e a publicação de sites que se faziam passar por órgãos de comunicação.

No diagnóstico do regulador, este problema “é susceptível de semear desconfiança nas pessoas e alimentar tensões sociais, chegando, no limite, a representar ameaças à segurança interna, incluindo processos eleitorais, especialmente quando estão envolvidos ciberataques”. O estudo nota ainda que a expressão fake news é “enganadora”: “Uma notícia, por definição, não é falsa. Falsas são as narrativas que, embora anunciadas como notícias e contendo partes de textos copiados de jornais ou de sites do mesmo género, integram conteúdos ou informações falsas, imprecisas, enganadoras, concebidas, apresentadas e promovidas para intencionalmente causar dano público ou obter lucro.”

Entre as conclusões entregues no Parlamento, o regulador diz também considerar indispensável “a aprovação da legislação e reforço dos meios necessários para garantir” a transparência do financiamento das campanhas políticas online, a gestão dos riscos de cibersegurança e ainda a aplicação do Regulamento Geral de Protecção de Dados, uma lei europeia que entrou em vigor no ano passado, mas cuja adaptação às leis portuguesas ainda está a ser discutida no Parlamento.

O relatório defende a necessidade de medidas que fomentem a literacia mediática nos currículos escolares e diz ser “importante incentivar medidas de co e auto-regulação”. A este respeito, a ERC advoga a existência de provedores do leitor, espectador ou ouvinte em todos os órgãos de comunicação social, até com o apoio financeiro público.

“A única coisa boa que resulta da desinformação é a revalorização do jornalismo rigoroso e de qualidade”, remata Mário Mesquita.