Costa sugeriu, Marcelo apoiou, oposição diz que não é necessário mudar regras de nomeação

Norma a que se refere Marcelo tem 28 anos. Nuno Magalhães, do CDS, diz que partido não entra em “cortinas de fumo” e Marques Guedes, do PSD, que, se Governo quer mudar a lei, pode fazê-lo. Esquerda admite debate,mas PCP fala em “campanha” para desviar atenções

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Presidente e primeiro-ministro estão de acordo que é preciso rever a lei Nuno Ferreira Santos
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Posse do executivo rui gaudencio

“O bom senso não se legisla”. É assim que o CDS mata um possível apoio do partido a uma alteração à lei de nomeação de cargos políticos, sugerida na quinta-feira pelo primeiro-ministro, António Costa, e apoiada pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa. A questão das nomeações de alguns familiares para gabinetes e institutos públicos tem estado na ordem do dia mas, para a oposição, esta é uma questão “política” e não “legal” ou “legislativa” e por isso os vários partidos recusam entrar em debate sobre uma possível alteração à lei. Mas, primeiro, têm uma pergunta: qual a lei em causa? Há várias.

Foi o primeiro-ministro quem puxou o assunto para o campo da regulamentação legislativa quando, em pleno debate quinzenal, desafiou a Comissão da Transparência, que funciona na Assembleia da República, a legislar sobre o assunto, questionando quais os limites que as nomeações devem ter. Qual o grau de parentesco? Quais as ligações entre órgãos de soberania? Costa fez um total de 16 perguntas sobre o tema, devolvendo ao Parlamento a iniciativa de limitar e criar regras para nomeações de quem tem relações próximas.

O desafio de António Costa teve o apoio do Presidente da República que defendeu que “vale a pena rever a lei” na sequência de sucessivos casos de nomeações de familiares para cargos públicos. “A lei que vigora é uma lei que não é tão exigente quanto é hoje a opinião pública portuguesa. A lei já tem quase 20 anos e é uma lei em que, por exemplo, os primos não são apanhados por uma decisão no plano administrativo”, justificou. “Hoje, a sensação que tenho é a de que o escrutínio e o juízo da opinião pública são mais exigentes. Vale a pena rever a lei em conformidade”, defendeu.

A lei a que se referiu o Presidente da República tem causado dúvidas nesta sexta-feira de manhã aos diferentes partidos com que o PÚBLICO entrou em contacto. O diploma referido por Marcelo é o Código do Procedimento Administrativo, que foi aprovado em 1991, alterado em 2016, mas que mantém há 28 anos a norma (agora no artigo 69º) que estabelece que um titular de um órgão ou agente da Administração Pública não pode intervir em acto em que tenha interesse um parente ou afim na linha recta ou até ao 2º grau na linha colateral (irmão ou cunhado), esclarece a Presidência da República ao PÚBLICO.

Mas em causa também, lembra o PS, podem estar outros diplomas, uma vez que se trata de várias situações diferentes. Um dos diplomas é o decreto que “estabelece o regime de incompatibilidades do pessoal de livre designação por titulares de cargos políticos” que vinha de 93, alterado entretanto pelo decreto-lei 11/2012.

Os socialistas assumem que “há várias questões diferentes entre si” uma vez que se fala de pessoas que integram o mesmo Governo, em que há intervenção do Presidente da República na sua nomeação, ou de nomeações para gabinetes e outros organismos para a Administração Pública. É preciso “perceber qual a regra a presidir” e se “há um consenso novo”, disse Pedro Delgado Alves. “Se sim, é preciso que se estabeleça um critério”, disse.

Quanto à dúvida sobre se é ou não uma matéria de reserva do Governo, os socialistas consideram que não. “Há muito que a Assembleia da República legisla sobre estes temas”, defendeu.

Se primeiro-ministro quer lei, que a proponha

O CDS é peremptório e recusa entrar no jogo. “O que nós achamos é que o bom senso não se legisla. Nunca foi necessário essa lei, esse regime, nunca ninguém propôs por uma razão simples: nunca se foi tão longe como agora”, diz ao PÚBLICO o líder parlamentar Nuno Magalhães. O centrista considera ainda que uma legislação desta natureza seria ciclópica porque “seria difícil ao legislador prever todas as situações” entre nomeações, cargos electivos e outros. “Não queremos ir tão longe, se não, onde paramos?”, questiona.

Nuno Magalhães puxa a questão para o lado político dizendo que a quebra de “regras de bom senso tem em democracia uma sanção, política, que se faz nas urnas”. “O Governo está a lançar uma cortina de fumo, desviar o assunto, porque o problema foi deste Governo que nomeou de uma forma nunca antes vista”, disse. “Se o Governo está tão interessado nisso subitamente, que apresente uma proposta – ou o PS”.

Também o PSD se apressou a dizer que uma iniciativa desta natureza não faz sentido. Em declarações à TSF, Marques Guedes, social-democrata e presidente da Comissão da Transparência, disse que em termos constitucionais cabe ao Governo essa iniciativa. “A Assembleia da República não pode legislar sobre organização do Governo”, referiu, caso contrário, “a separação de poderes ia ao ar”. Para Marques Guedes, António Costa “tentou atirar as responsabilidades para cima de outrem”. 

“Nem sequer percebo que o primeiro-ministro entenda que é preciso uma lei para o Governo fazer aquilo que entenda que deve ser feito. Ou o senhor primeiro-ministro entende que aquilo que se passa e que tem vindo a lume está perfeitamente correcto – e se está correcto, entendo que não altere a forma de proceder do Governo –, [ou] se ele está a dizer que é preciso fazer uma lei parece que só a contragosto é que vai mudar a sua atitude”, defende o social-democrata em resposta à rádio. 

Como resumo, entende que “a haver lei, a lei só pode ser feita pelo próprio Governo” e que se o Governo quiser fazê-lo, tem o “código de conduta” em que pode mudar as regras das suas nomeações. Já antes, Fernando Negrão havia dito, à saída de uma reunião do grupo parlamentar: "Eu tenho alguma dificuldade em legislar sobre ética, muita dificuldade. A ética é uma coisa que nos obriga a todos, devemos ter como prioridade o cumprimento das regras de ética, depois então podemos falar sobre legislação”.

Esquerda admite debate. PCP fala em “campanha"

Entretanto, na Assembleia da República, os bloquistas reagiram, dizendo que “há uma separação entre o que é ético e o que é legal” e a discussão “não deve ser centrada aí”, na parte legal, porque isso seria “inquinar o debate”. Contudo, do ponto de vista geral, os bloquistas estão disponíveis a rever a legislação geral, disse o presidente da bancada parlamentar, Pedro Filipe Soares.

“Estamos disponíveis para ver o que é possível rever” do ponto de vista legislativo, na Comissão da Transparência, disse. Mas, referiu. “Legalmente, o Governo tem espaço de acção que não compete à AR estar a infringir”, defendeu.

Como ponto de arranque, o PCP não tem dúvidas de que as notícias que têm saído são “uma campanha de grandes dimensões que visa afastar a discussão de grandes temas”, para se andar “a debater graus de parentesco”, até porque, defende o deputado António Filipe, é uma questão “que releva da ética e do decoro”. 

Contudo, admite o comunista, se alguém quiser legislar, que proponha. “Cá estaremos para discutir”, responde. E como se poderia legislar? António Filipe não tem dúvidas de que mudar o código de procedimento administrativo, como propõe o Presidente da República, “não resolve o problema político”, até porque há nomeações de outra índole que não estão enquadradas nesse código, porque são nomeações políticas que têm regimes próprios. Apesar de admitir debater o tema, o PCP argumenta que “o critério para a nomeação não deve ser o familiar, as pessoas devem valer pelas suas capacidades”.

NOTA: Artigo actualizado às 12h31 com as declarações do deputado do PS, Pedro Delgado Alves. E às 113h11 com declarações do deputado do PCP António Filipe.

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