O vinho na Europa, a tragédia dos herbicidas e o fim do Miradouro

Chegou a Primavera e, enquanto na União Europeia ainda se fazem contas ao vinho produzido em 2018, a próxima vindima já se começa a desenhar um pouco por todo o país, com o rebentamento das primeiras folhas. Um sinal de vida nova que contrasta com o tom mortiço da terra infestada de herbicidas.

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Paulo Pimenta

1. A Comissão Europeia publicou no passado dia 22 de Março os dados estatísticos mais actualizados sobre o sector vitivinícola na União Europeia em 2018 e, em relação à informação de Fevereiro, a produção de vinho subiu de 182,7 milhões de hectolitros de vinho para 189,6 milhões de hectolitros. Milagre da multiplicação ou atraso na entrega de dados por parte dos países produtores?

Em 2017, a produção da UE tinha sido de 138 milhões de hectolitros, pelo que a colheita de 2018 representa um crescimento de 33%. Neste século, só na vindima de 2004 foi produzido mais vinho (202 milhões de hectolitros). O grande aumento de 2018 foi liderado pela Itália, que produziu 55,8 milhões de hectolitros de vinho. Em Portugal, pelo contrário, a produção foi dramaticamente baixa devido ao míldio e ao excesso de calor (terá sido da ordem dos 5,2 milhões de hectolitros).

O que mais cresceu na UE em 2018 foi o vinho sem denominação de origem ou indicação geográfica, aquilo a que se chamava “vinho de mesa” (esta designação acabou, dando lugar à designação mais genérica de “vinho”, que se presta a todo o tipo de confusões). Este tipo de vinho, vendido, sobretudo, a granel, equivale já a 50,6 milhões de hectolitros. Em relação a 2017, cresceu 57%.

É isto que explica que ande a ser oferecido vinho a preços impensáveis para a maioria das regiões portuguesas. Recentemente, um broker francês enviou a um produtor do Douro uma tabela de vinhos a granel de 2018 da região de La Mancha, Espanha, oferecendo vinho branco com 11% de álcool a 28 cêntimos o litro; vinho tinto com 11% de álcool a 33 cêntimos; vinho tinto com 12% de álcool a 36 cêntimos; Chardonnay com 12% de álcool a 58 cêntimos; Cabernet Sauvignon a 48 cêntimos; e Merlot a 58 cêntimos.

Muito deste vinho entrou ou vai entrar em Portugal e irá ser comercializado como vinho UE por empresas que o consumidor associa a determinada região demarcada. Tudo legal. Com toda a probabilidade, embora ninguém o consiga provar, algum deste vinho também vai acabar misturado com vinho certificado e vendido com o selo de uma qualquer denominação. E aqui já é crime. Só esquemas destes podem justificar o preço demasiado baixo a que muitos vinhos são vendidos em Portugal, face às reduzidas produções do país. Não há milagres.

2. Chegou a Primavera e deu-se o milagre das vinhas, com o aparecimento das primeiras folhas e a certeza de que a vindima vem já aí, uma vez mais. Não há nada mais triste numa paisagem vitícola do que o Inverno, quando as videiras hibernam e sobra apenas a terra crua. Não é verdade. Há um momento ainda mais triste, que acontece precisamente na transição do Inverno para a Primavera, ainda antes do abrolhamento das videiras. É quando por todo o país, mas em maior escala em regiões de viticultura de montanha, como o Douro, por exemplo, se começa a infestar as vinhas de herbicidas. Nesta altura, são raras as vinhas completamente verdes (de videiras e de ervas). O que mais se vê são vinhas queimadas, de tom castanho, só com um fio verde (das folhas novas) pendurado nos arames que seguram as videiras. É uma paisagem a emergir de vida mas ao mesmo tempo mortiça, como se tivesse acabado de sofrer um dilúvio químico. Os herbicidas matam as ervas mas também matam os solos e contaminam os cursos de água. Não podemos continuar a fechar os olhos a esta tragédia ambiental. Não é fácil resolver o problema, sobretudo em regiões de orografia difícil como o Douro e onde os preços das uvas são absurdamente baixos, mas é possível fazer muito mais e melhor, porque nem todas as ervas são daninhas e também porque uma terra livre de químicos dá fruta mais pura e saborosa.

3. A Linha do Douro é uma das mais belas linhas ferroviárias do mundo. O Douro está na moda e com cada vez mais turismo, embora, e paradoxalmente, continue a ser uma das regiões mais pobres do país. O comboio é um dos meios de mobilidade mais amigos do ambiente. No Douro, o comboio segue sempre lado a lado com o rio, atravessando o coração da região vinhateira. Não há, pois, forma mais rápida e confortável de conhecer o Douro, as suas quintas e os seus vinhos. Para o transporte diário de pessoas, a CP alugou comboios em Espanha (em desuso, imagino, mas com ar condicionado). Para os turistas, criou há dois anos o comboio Miradouro, uma composição formada por carruagens suíças dos anos 1950, sem ar condicionado mas com espaços amplos e janelas que se podem abrir. Invocando falta de rentabilidade, a CP acabou com o serviço e encostou o Miradouro em Contumil. Se esta decisão da CP lhe merece algum comentário ou reacção, sinta-se o leitor livre o fazer. Vale a pena lembrar que foi sempre esta a justificação dada pela CP para mudar horários, reduzir composições, degradar e, no final, acabar com serviços no interior do país. Nunca nenhum Governo fez frente a esta visão economicista, que não é aplicada nos serviços de transporte de Lisboa e do Porto. Quando não é falta de rentabilidade, é falta de segurança. Foi assim com a linha do Tua e do Corgo. Na altura, quem caucionou o seu fecho foi a actual ministra do Mar, Ana Paula Vitorino, com a promessa de que reabririam. No Tua fez-se uma barragem e no Corgo até já levantaram os carris. Como é que continuamos a ser tão crédulos?

Jornalista e produtor de vinho no Douro

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