Na Madragoa há Resistência, um bar-máquina do tempo

Um bar sala de estar – assim é apresentado – na Madragoa, em Lisboa, onde a música é o centro de tudo. A entrada é sempre livre e o improviso também.

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Era uma “ideia antiga”, ou melhor, uma “utopia” de Bernardo Homem de Melo, 31 anos, essa de fazer de um espaço uma extensão da sua própria casa, uma espécie de sala de estar onde se pudesse conversar sobre tudo, sempre com música de fundo. Um espaço onde se cultivasse do ócio, onde se pudesse comer e beber bem, mas onde houvesse também lugar para a cultura nos chegar de muitas formas: dos vinis que rodam no gira-discos, das apresentações de livros, das tertúlias, ou simplesmente das informais conversas de balcão.

Assim é, desde o Verão do ano passado, quando o Resistência abriu portas no bairro da Madragoa, em Lisboa, para ser um bar-máquina do tempo, onde se encontra conforto nas poltronas de pele e nos tectos de madeira que lembram as casas dos avós.

Até chegarmos ao ponto em que o Resistência deixa de ser uma utopia, é preciso recuarmos até 2007, quando Bernardo foi embora e andou pela Europa fora. Formado em Gestão, foi trabalhando na área, até que, em 2013, voltou. Esteve de férias umas boas semanas, foi pondo as ideias que tinha a fervilhar no lugar e acabou por tomar conta do La Boulangerie, um café-pastelaria, não muito longe do Resistência, junto ao Museu Nacional de Arte Antiga.

Foi ali que começou a desenvolver um conjunto de actividades a que chamou “Tardes de Ócio”. “Eu gostava muito do que estava ali a acontecer, só que era bastante limitado em termos de espaço”, diz Bernardo. “E, ao mesmo tempo, havia sempre um grande amor – não lhe chamo paixão porque paixão é uma coisa mais efémera – pela música.” Que rumo dar a este amor?

Foi aí que começou a reparar que se estava a formar na zona “algo muito interessante”, com novos espaços – bonitos e com qualidade. Ao mesmo tempo, encontrou em Santos aquele espaço vazio, no 82 da Calçada do Marquês de Abrantes. Lembrava-se de lá ter estado antes, quando o espaço albergara o Wanli, o bar de um professor universitário que assumia, na altura, essa forma de sala de estar.

No dia da visita ao espaço, apareceram 25 pessoas interessadas em arrendá-lo. Os pais, que moram no bairro há muitos anos, disseram-lhe “não faças isso”, recorda Bernardo. Mas o Resistência acabou por “acontecer”.

Resistência cultural

A resistência aqui é cultural. “O nome vem do facto de querermos que Lisboa tenha mais sítios verdadeiros, menos franchisings e mais coisas que representem a cidade. Quando vou viajar, gosto muito de entrar em espaços em que me sinto naquela cidade ou naquele país. Entrar num Starbucks não tem piada nenhuma”, diz.

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A música é o que mais há ali. “Já tivemos de tango burlesco a jazz, rock, pop, e entramos muito, muito, muito, no groove e no funk”, conta Bernardo. É ele quem toma conta dos discos e do vinil, mas há DJ convidados todos os meses.

Bernardo é um melómano. Tinha já uma colecção “composta” de discos e vinis. Mas foi quando deitou uma parede abaixo durante as obras do bar que a grande riqueza deste espaço apareceu: umas dezenas de sacos com mais de 700 vinis.

Passando por vários episódios de uma história rocambolesca, Bernardo encontrou o dono dos discos – um professor de Economia que passara muita música no Porto – e lá fez negócio. Hoje, os vinis estão ali para quem os quiser pôr a girar. Passam coisas muito raras, que pouco se ouvem, “que têm tanto poder que as pessoas não têm outra maneira senão dançar”, diz Bernardo.

O Resistência acabou por abrir a 1 de Agosto para ser um local onde se cultiva o ócio, mas há muita cultura a ressoar daquelas paredes. A música é estrela da casa, mas esta acolhe também exposições, lançamento de livros, tertúlias. Há xadrez às quintas-feiras, conversas com grupos feministas às sextas. “É muito ócio, mas mais importante que o ócio é o respeito social e cultural”, diz Bernardo, ao ponto de já ter pensado em tornar o Resistência numa associação.

“Os residentes daqui encontraram aqui conforto”, diz. São, aliás, quem regressa mais vezes. “Ficam a beber uma cerveja. Levam CD, pegam nos que estão lá e põem-se a passar música.” O trabalho de Bernardo é fazê-los sentirem-se em casa.

Tudo é cortado na hora

A Concha e o Leo são os outros vértices que completam a “trindade”, como Bernardo lhe chama, do Resistência. Se ele trata de seleccionar os vinhos e as cervejas, é Concha quem toma conta da cozinha, que é mais voltada para a cozinha saudável.

Como recomendações da casa, há a salada vegetariana com quinoa e tofu (10 euros) – “inacreditável”, garante Bernardo –, uma sopa que é quase “uma espécie de açorda alentejana” (três euros). Há também uma pasta de abacate e tomate e coentros com nachos (7 euros), tostas e torradas de presunto e queijo flamengo ou então queijo de Seia (entre os 7,50 e os 8 euros).

“Nós não fazemos preparação. Quando nos pedem uma coisa demora um bocadinho mais, mas tudo é cortado na hora”, diz.

Do lado da bebida, pode pedir-se um copo de Confidencial Tinto Lisboa (2,75 euros), uma cerveja IPA da lisboeta Musa (4 euros), ou então decidir entre um whisky escocês, irlandês, japonês ou um bourbon (entre os 3,5 e os 7,5 euros). Há também gin Tanqueray e Hendricks (entre os 6 e os 7 euros).

Na carta do Resistência aconselha-se a ir dar uma vista de olhos à garrafeira. Há até um minifrigorífico onde quem quiser pode servir-se e pagar no fim. Afinal, esta quer-se uma casa onde a entrada seja livre e o improviso – seja ele qual for – também. É à confiança, prometemos.

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